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Crítica: Ruas Rivais, de Márcio Loureiro

                                     

O cinema português não está morto, mas está moribundo. Nos últimos anos (com exceção de 2012, que foi de facto, um ano magnífico para a produção cinematográfica portuguesa) temos visto as nossas salas serem invadidas por filmes lamentáveis que se parecem dividir em duas categorias, maus filmes comerciais (cujo  falta de qualidade pode ser desculpada pelo sucesso de bilheteira), e um cinema que as elites cinematográficas insistem em apelidar de "autor" e de "imensa qualidade, mas que na verdade, não passam de obras pedantes, bafientas, pretensas, sem coração, sem alma, feitas unicamente com o objetivo de passar em alguns festivais e ganhar uns quantos prémios (só para depois caírem imediatamente no esquecimento) há exceções a estas categorias é claro, mas são poucas e aparecem muito ocasionalmente. Mas, pergunta o caro leitor já cansado de ler sobre o paupérrimo estado da produção cinematográfica nacional, onde é que entra a obra de Márcio Loureiro no meio disto tudo?
Pois bem caro leitor, é com prazer que declaro que "Ruas Rivais" é um dos melhores filmes portugueses dos últimos tempos, pelo simples facto de ser um dos únicos que se lembra de fazer algo que é necessário no cinema, quer seja ele comercial ou alternativo, acima de tudo o filme de Márcio Loureiro tenta entreter e estimular o seu espetador e isso no cinema é importantíssimo, até porque um dos grandes problemas da maioria do cinema que se tem visto por cá, é a crescente noção de nenhum dos envolvidos com as obras que vemos tem qualquer interesse em cativar a audiência (até porque em muitos casos nem eles próprios parecem muito cativados). Aqui vemos o contrário, um grupo de gente com imenso talento, e vontade de criar algo, cujo  objetivo é unicamente o de entreter a sua audiência e no panorama atual, isso é extremamente refrescante.
Aliás, no geral, há que dizer que apesar de possuir os seus defeitos "Ruas Rivais" possui muito mais atributos, entre eles destacam-se o argumento repleto de humor verdadeiramente delirante que consegue ser quase sempre eficaz em tudo aquilo que tenta, por mais louco que seja (e acaba, eventualmente, por se tornar bastante louco), consegue sempre manter uma ponta de realidade, e levar-nos a crer que, de facto, este humor baseado acima de tudo em estereótipos, parte da vida real.
Depois é absolutamente de destacar o elenco que aqui é enorme, sendo surpreendente que apesar de existirem pelo menos 26 personagens importantíssimas para a história nunca nenhuma delas parece ignorada, e todas acabam eventualmente por ter o seu grande momento, e aqui é importante destacar, António Raminhos, João Manzarra, e Salvador Martinha que roubam cada cena em que aparecem.
Destaque ainda para a componente técnica da obra aqui da responsabilidade da Universidade Lusófona, que é de um surpreendente profissionalismo, e faz com que "Ruas Rivais" seja profundamente cinematográfico, especialmente hoje em dia onde cada vez mais os filmes parecem filmados como telenovelas.
No todo "Ruas Rivais" é um filme para lá de sólido, uma comédia tão delirante como hilariante, repleto de gente talentosa, diálogos inspirados, e acima de tudo coração, e mesmo que por vezes este coração seja maior que os seus miolos, ele está sempre lá, essa alma está sempre lá e isso (embora subvalorizado) também tem muito valor.
7/10

Comentários

  1. Foi muito boa a análise que o Miguel Anjos fez e as suas ponderações, um filme fantástico, fiquei com vontade de ver novamente, uma critica à sociedade com grandes nomes, parabéns a todos!

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  2. Boa review Miguel, continua a lançar novas opiniões que o blog cresce rápido, boa sorte! :D

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  3. Confesso que fiquei curioso, desde já! :)

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  4. Depois de ler isto tb fiquei bastante curioso.

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