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Crítica: Mr. Turner, de Mike Leigh


Conhecido por retratar com grande realismo e  habilidade o dia a dia da classe proletária em obras "ligeiras", digamos assim, que apesar de não "inovarem" em nada, nos espantam com a sua desarmante simplicidade; Mike Leigh é inegavelmente um dos maiores, e mais importantes "vultos" da sétima arte a nível internacional. Porém, tal não anulou o estado de espanto em que ficou a comunidade cinéfila quando há uns meses atrás o cineasta afirmou que iria elaborar a sua primeira obra de grande fôlego: uma cinebiografia em torno dos últimos vinte e cinco anos de vida do conceituado e excêntrico pintor britânico J.M.W. Turner


O resultado é uma viagem vibrante, luminosa e até comovente ao cérebro, ou melhor ao coração do artista, aqui trazido à vida por um genial Timothy Spall que transforma o pintor numa figura tão estranha quanto adorável, um homem absolutamente genial que fala em grunhidos, articula frases completamente rebuscadas e, por vezes, até parece rosnar, quase como um animal à deriva num universo "colonizado" por aristocratas nos quais não se revê, que procura na arte uma maneira de se expressar, de perceber o universo que o rodeia, ou talvez apenas uma forma de integração.


E "Mr. Turner" é por isso, mais que um mero biopic um admirável testamento ao poder, e a magia que na arte se encerram.
                                                                             9/10
                                                  Miguel Anjos

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