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Crítica

"O Herói de Hacksaw Ridge"


Título Original: "Hacksaw Ridge"
Realização: Mel Gibson
Género: Biografia, Drama, Romance
Duração: 131 minutos
País: Austrália | EUA
Ano: 2016
Distribuidor: NOS Audiovisuais
Classificação Etária: M/16
Data de Estreia (Portugal): 10/11/2016

Crítica: O cinema de Mel Gibson continua a alimentar o seu fascínio pelas histórias, sejam elas reais (como é o caso) ou não, de homens que enfrentam corajosamente forças muito superiores a si mesmos, em nome daqueles que amam e/ou das suas próprias convicções pessoais (nas suas próprias palavras, "detesto a guerra, mas adoro o guerreiro"). Já tinha sido assim, com o professor desfigurado e estigmatizado pela sociedade de "Um Homem Sem Rosto" (a sua criminosamente pouco vista primeira longa-metragem), com o escocês nacionalista tornado herói de "Braveheart: O Desafio do Guerreiro", com Jesus Cristo face Roma em "A Paixão de Cristo", com o nativo maia de "Apocalypto" (a sua derradeira obra-prima) que procura salvar a sua família dos tiranos que os querem escravizar e sacrificar, e assim volta a ser com Desmond Doss, um objetor de consciência por motivos religiosos que queria a todo o custo servir na Segunda Guerra Mundial como socorrista, porém sem nunca tocar numa arma. Ou seja, uma história real de um conflito que continua a marcar os nossos ecrãs de cinema (e, provavelmente nunca vá parar de o fazer) que encaixa bem nas obsessões fílmicas de um criador tão talentoso como Gibson. O resultado? Uma bela, belíssima fita humanista, que começa por fazer um elaborado trabalho de construção de personagens, para depois nos levar até um cenário puramente infernal, onde prolifera o caos e a brutalidade, onde o chão se faz de corpos mutilados, esventrados, incinerados e devorados por roedores. Um mundo de horrores (esta secção do filme assemelha-se até a uma fita de terror em tom e atmosfera), no qual Gibson encontra humanidade através da figura desse tal herói modelar que sempre marcou o seu cinema, o homem que parece sempre andar mais preocupado com os outros do que com ele mesmo, o homem que se demonstra disposto a vaguear por entre cadáveres e balas se assim conseguir salvar mais uma vida. É uma grande história sim, mas o que nos deixa boquiabertos é mesmo a forma como ele a conta, deliberadamente construindo uma fita extremamente violenta acerca de alguém que sempre abominou esse tipo de atos, evocando assim um clima de choque e desespero de onde, curiosamente, sobressai a componente humana e emocional desta narrativa, tal como Doss também nós chegamos ao final chocados com aquilo que vimos, mas ao mesmo tempo comovidos. Aliás, apetece mesmo dizer que é como se o realizador tivesse decidido viajar até ao inferno, para encontrar esperança e conseguido. Tudo isto, sempre alicerçado num trabalho de atores acima da média, em particular de Garfield, um britânico que como Doss não falha nem no sotaque americano.

Texto de Miguel Anjos

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