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Crítica

"American Honey", de Andrea Arnold



Título Original: "American Honey"
Realização: Andrea Arnold
Argumento: Andrea Arnold
Elenco: Sasha Lane, Shia LaBeouf, Riley Keough
Género: Drama
Duração: 143 minutos
País: Reino Unido | EUA
Ano: 2016
Distribuidor: NOS Audiovisuais
Classificações Etárias: M/16
Data de Estreia (Portugal): 17/11/2016


Crítica: O cinema daquela que será porventura a mais interessante cineasta britânica dos nossos dias migrou para os Estados Unidos, mas não perdeu nenhuma das singularidades que dele fazem tão apaixonante. O nome da cineasta em questão é Andrea Arnold (uma espécie de herdeira rebelde da grande tradição realista britânica) e, o filme que resultou desta viagem foi um épico como nunca antes vimos chamado "American Honey". Nele, o espetador é convidado a esquecer as mais banais noções do storytelling clássico e, a fazer parte de uma deambulação aparentemente infindável pela América que tantos cineastas americanos parecem ter medo de mostrar nos seus filmes, a dos bairros miseráveis onde o dinheiro escasseia e as perspetivas de futuro são inexistentes, é lá que encontramos as personagens em questão, um grupo de jovens que fogem às suas existências depressivas (logo na primeira cena, vemos a protagonista e os seus irmãos à procura de comida num caixote do lixo) em busca do sonho americano, através da venda de subscrições (na base do filme, está um artigo do The New York Times sobre estes grupos que existem no limiar da marginalidade). Cruzando temáticas nucleares do grande realismo social britânico (as disparidades económicas e a luta de classes) com o road movie classicamente americano e, filmando tudo com o mesmo abandono lírico de um Terrence Mallick, Arnold elevou o seu cinema a um novo patamar com uma experiência desafiante que não será para todos os gostos (os grandes filmes nunca o são…), mas representa um daqueles acontecimentos transformadores que não pode ser ignorado. Podemos falar num "filme choque" na linha do "Kids" de Larry Clark, porém com uma sofisticação estética e narrativa que esse voyeur brilhante nunca teve e, numa crónica da juventude desamparada cuja urgência lembra o "On The Road" (aquando da sua passagem pelo Festival de Cannes, foram muitos os que o nomearam como um equivalente contemporâneo a obra definitiva de Kerouac), porém no fim só queremos falar mesmo da energia e ferocidade que Arnold trouxe para o ecrã, naquele que é o melhor "naco" de cinema que já nos ofereceu. Além do mais, como não mencionar o exemplar trabalho dos atores (quase todos desconhecidos, contratados em locais pouco habituais como praias ou supermercados), em particular da estreante Sasha Lane numa performance estonteante e um arrebatador Shia LaBeouf, personificando um suposto macho alfa do grupo, possuidor de uma vulnerabilidade latente que ameaça ser libertada ocasionalmente. Um clássico imediato.

Texto de Miguel Anjos

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