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Crítica

"A Infância de um Líder", de Brady Corbet



Título Original: "The Childhood of a Leader"
Realização: Brady Corbet
Argumento: Brady Corbet, Mona Fastvold
Elenco: Berénice Bejo, Liam Cunningham, Stacy Martin, Robert Pattinson, Tom Sweet
Género: Drama, Terror, Mistério
Duração: 115 minutos
País: Reino Unido | França | Hungria
Ano: 2016
Distribuidor: NOS Audiovisuais
Classificação Etária: M/12
Data de Estreia (Portugal): 24/11/2016


Crítica: Já conhecíamos o americano Brady Corbet como ator, desde que nos deslumbrou num filme monumental de Gregg Araki chamado "Mysterious Skin" ("Pele Misteriosa" por cá) e, continuámos a acompanhar o seu percurso através das suas participações nas fitas de alguns dos mais celebrados autores contemporâneos (Michael Haneke, Lars Von Trier, Sean Durkin, Antonio Campos, entre muitos outros que poderíamos mencionar). Com "A Infância de um Líder", passa para o outro lado das câmaras numa estreia assumidamente inspirada por uma certa ideia de cinema europeu (Carl Theodor Dreyer e Robert Bresson, surgem como influências óbvias nesse sentido) onde não falta ambição: trata-se afinal de uma tentativa de construir um retrato abstrato, mas baseado em acontecimentos, figuras e ideias reconhecíveis dos anos formativos de um ditador numa altura em que o fascismo começa a ganhar expressão na Europa. Transportando-nos para o interior de um palacete desolado, onde se faz sentir um ambiente de negligência afetuosa e disfuncional (veja-se a relação de repudia que a mãe parece nutrir pelo filho) não raras vezes sufocante (aliás, a sensação de claustrofobia pela qual somos "invadidos" é tudo menos acidental), Corbet e o compositor Scott Walker hipnotizam o espetador e prendem-no a este universo negro e pouco auspicioso, que parece mais interessado em levantar questões do que encontrar respostas, refugiando-se numa vagueza que só perturba ainda mais (as personagens vão mesmo sendo desenvolvidas quase única e exclusivamente através da sua reação a certas situações, omitindo o máximo possível quaisquer detalhes pessoais) e, nesse sentido, não seria errado dizer que "A Infância de um Líder" se trata mesmo de uma das fitas de terror mais arrepiantes dos últimos anos, não só pelo que se vê ou se ouve (a partitura excessiva mas brilhantemente excessiva de Walker é mesmo uma componente fulcral, que precisa de voltar a ser referida), mas pelo que fica apenas implícito, pelo inevitável futuro trágico que condenará por fim estas personagens, tão bem interpretadas por um grupo de atores maioritariamente europeus de exceção, entre os quais se destacam claramente Berénice Bejo no melhor momento da sua carreira e, um sinistro Tom Sweet (e, sim o nome parece quase uma piada em relação à personagem que interpreta) que aqui se revela como um verdadeiro achado naquele que apenas o seu primeiro papel.

8/10
Texto de Miguel Anjos

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