Avançar para o conteúdo principal

Crítica

"Silêncio", de Martin Scorsese



Título Original: "Silence"
Realização: Martin Scorsese
Argumento: Jay Cocks, Martin Scorsese
Elenco: Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson
Género: Drama, História
Duração: 161 minutos
Distribuição: NOS Audiovisuais
Classificação Etária: M/14
Data de Estreia (Portugal): 19/01/2017


"Surely God heard their prayers as they died. But did He hear their screams? I prayed that He might reach out to them, but how can I explain His silence to these people who have endured so much? I need all my strength to understand it myself. Humanity is so sad, Lord, and the ocean so blue.”
O nome de Martin Scorsese pode ou não constar entre os vários nomeados para a edição anual dos Óscares (a anunciar na próxima terça-feira). E, o distribuidor português da sua mais recente longa-metragem certamente conta que tal aconteça, tendo aliás construído toda a campanha publicitária da mesma em torno das possíveis nomeações que pode ou não ter. Enfim, é uma estratégia como qualquer outra, mas em todo o caso importa notar que seria triste, deprimente ou até mesmo desolador que um feito como "Silêncio" fosse reduzido a esse tipo de discussões francamente inúteis. Porquê? Porque, o cineasta nova-iorquino assinou uma obra monumental que as transcende por completo. Um verdadeiro acontecimento cinematográfico, que se atreve a exigir do espetador aquilo na sociedade moderna parece cada vez mais raro: três horas de devoção total. A quê? Aos insondáveis, indiscritíveis e inconfundíveis poderes do grande cinema. Nele, somos transportados até ao Japão em meados do século XVII, no auge das purgas anticristãs. Quando dois jesuítas rumam clandestinamente ao território, para perceberem o que aconteceu ao seu mentor que dizem ter abjurado a fé sob tortura extrema e, adotado os costumes nipónicos, entre eles o budismo. É uma saga absolutamente devastadora, marcada pelo sofrimento físico, intelectual e espiritual, que encena as muito complexas relações entre o humano e divino com justeza e maturidade, nunca se coibindo no entanto de demonstrar o quão ambíguas as mesmas podem ser, tudo isto conduzindo a um clímax noturno tremendo em que uma decisão irrevogável terá de ser tomada e, as suas consequências vividas. E, no fim ficamos ali, silenciosos, arrebatados e sozinhos com os nossos pensamentos e com o som do mar a bater nas rochas.

10/10
Texto de Miguel Anjos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Destroyer: Ajuste de Contas" O falhanço financeiro de um duo de produções conturbadas (“Aeon Flux” e “O Corpo de Jennifer”) remeteram Karyn Kusama a um silêncio demasiado longo. No entanto, em 2016, reencontrámo-la aos comandos de um filme francamente impressionante. Chamava-se “The Invitation” e convidava-nos a entrar na intimidade fantasmática de um homem que não conseguia ultrapassar um acontecimento traumático que o destruiu. Passou completamente ao lado do circuito comercial, contudo, tornou-se num fenómeno de culto em homevideo e deu visibilidade suficiente à sua autora para lhe permitir filmar com um orçamento mais alto (9 milhões), o apoio de um estúdio interessado em auxiliar cineastas ousados (a Annapurna) e um elenco preenchido por nomes sonantes para filmar o seu magnum opus , ou como diriam os românticos alemães do século XIX a sua Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”). Trata-se do conto sanguinolento e melancólico de Erin Bell (Nicole Kidman). Uma
"Clímax", de Gaspar Noé Nos primeiros minutos de “Clímax” é-nos providenciado um plano aéreo de uma mulher ensanguentada a percorrer um mar de neve, eventualmente caindo prostrada no branco e nele se distendendo. É a chamada  god’s eye view , um enquadramento da visão divina, que contempla as minúsculas romagens humanas lá do alto, sempre com indiferença. Essa vista alonga-se, para encontrar uma árvore, numa panorâmica lenta que vai abrindo caminho para o horizonte, orientando-se de tal modo que coloca a rapariga no céu e, por conseguinte, Deus na terra. Ainda não terminaram os segundos iniciais da sexta longa-metragem de Gaspar Noé e o mesmo já declarou que as imagens delirantes a que seremos expostos nos seguintes 95 minutos, se encontraram num intervalo permanente e perturbante entre o olhar distante de um qualquer Deus terreno e a lógica sacralizadora de um artista em busca de sensações viscerais. Caso restem dúvidas, o ecrã é imediatamente apoderado por uma
"Juliet, Nua", de Jesse Peretz Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”. Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd)