Avançar para o conteúdo principal

Cinema

Crítica: "Mulheres do Século XX", de Mike Mills




Título Original: "20th Century Women"
Realização: Mike Mills
Argumento: Mike Mills
Género: Comédia, Drama
Duração: 119 minutos
Distribuidor: NOS Audiovisuais
Classificação Etária: M/14
Data de Estreia (Portugal): 16/02/2017

Mike Mills não se conta entre os cineastas contemporâneos mais prolíficos, mas nas raras ocasiões em que o encontramos aos comandos de uma nova longa-metragem, acabamos sempre por ser confrontados com um cinema impossivelmente intimista, com contornos autobiográficos bem vincados e uma sofisticação estética notável. Assim e, depois de nos contar uma história inspirada pela relação que manteve com o pai entretanto falecido no belíssimo "Beginners", Mills foca-se agora nos seus tempos de infância em Santa Barbara, no final dos anos 70, com as mulheres que o criaram. Deste modo construindo um bonito ato de memória, de lirismo apurado e emoções profundas que evoca um contexto muito específico para lá encenar uma narrativa completamente universal acerca da procura por uma identidade própria, num mundo em constante mudança e, para tal o cineasta aposta numa mise en scène pessoalíssima onde um certo simbolismo mais ou menos abstrato se funde com um realismo metódico, resultando numa obra de indescritível nostalgia, onde rimos, choramos e perdemos o folgo com alguns dos mais belos momentos de cinema (a montagem final é suficiente para nos deixar arrepiados) em memória recente. Além disso e, como não poderia deixar de ser numa fita tão profundamente enraizada numa tradição melodramática muito americana, o labor dos atores é absolutamente fulcral. E, estes não desiludem, o que não será de espantar quando vemos a constelação de estrelas que Mills conseguiu reunir neste projeto desde Annette Bening a Greta Gerwig (ambas atrizes, dir-se-ia, por demais formidáveis em interpretações extraordinárias, que marcam momentos importantíssimos nas suas respetivas carreiras) passando por Elle Fanning, Billy Crudup e um estreante brilhante chamado Lucas Jade Zumann. Estreou há seis dias e, contar-se-á, inevitavelmente como um dos grandes acontecimentos cinematográficos do ano.

10/10
Texto de Miguel Anjos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Destroyer: Ajuste de Contas" O falhanço financeiro de um duo de produções conturbadas (“Aeon Flux” e “O Corpo de Jennifer”) remeteram Karyn Kusama a um silêncio demasiado longo. No entanto, em 2016, reencontrámo-la aos comandos de um filme francamente impressionante. Chamava-se “The Invitation” e convidava-nos a entrar na intimidade fantasmática de um homem que não conseguia ultrapassar um acontecimento traumático que o destruiu. Passou completamente ao lado do circuito comercial, contudo, tornou-se num fenómeno de culto em homevideo e deu visibilidade suficiente à sua autora para lhe permitir filmar com um orçamento mais alto (9 milhões), o apoio de um estúdio interessado em auxiliar cineastas ousados (a Annapurna) e um elenco preenchido por nomes sonantes para filmar o seu magnum opus , ou como diriam os românticos alemães do século XIX a sua Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”). Trata-se do conto sanguinolento e melancólico de Erin Bell (Nicole Kidman). Uma
"Clímax", de Gaspar Noé Nos primeiros minutos de “Clímax” é-nos providenciado um plano aéreo de uma mulher ensanguentada a percorrer um mar de neve, eventualmente caindo prostrada no branco e nele se distendendo. É a chamada  god’s eye view , um enquadramento da visão divina, que contempla as minúsculas romagens humanas lá do alto, sempre com indiferença. Essa vista alonga-se, para encontrar uma árvore, numa panorâmica lenta que vai abrindo caminho para o horizonte, orientando-se de tal modo que coloca a rapariga no céu e, por conseguinte, Deus na terra. Ainda não terminaram os segundos iniciais da sexta longa-metragem de Gaspar Noé e o mesmo já declarou que as imagens delirantes a que seremos expostos nos seguintes 95 minutos, se encontraram num intervalo permanente e perturbante entre o olhar distante de um qualquer Deus terreno e a lógica sacralizadora de um artista em busca de sensações viscerais. Caso restem dúvidas, o ecrã é imediatamente apoderado por uma
"Juliet, Nua", de Jesse Peretz Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”. Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd)