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Crítica: "London Town", de Derrick Borte




Como interagir com o microcosmos musical no cinema? Ora, dir-se-ia, que existem várias e interessantes maneiras de responder a esta questão. Seja através de uma abordagem mais estritamente biográfica (lembremos o Control, de Anton Corbijn), do sempre fundamental documentário (veja-se o Cobain: Montage of Heck, de Brett Morgan) ou, de uma "terceira via" puramente ficcional, que desenhe um percurso só seu. London Town, a quarta longa-metragem do alemão Derrick Borte, encaixa-se firmemente nesta última categoria. É que embora os The Clash desempenhem um papel absolutamente central na narrativa, o autor escolheu coloca-los na mesma quase como que na figura de um símbolo, não só musical, como político, dos tempos conturbados que se viviam na Inglaterra de 1978, onde somos apresentados a um adolescente, que diariamente lida com a difícil da tarefa de conciliar a escola, com os deveres domésticos (cozinhar, tomar conta da irmã, entre outros), que teve de aceitar depois da partida da mãe (uma aspirante a cantora, que rumou à metrópole, sem pensar duas vezes e, lá se alojou numa comuna). Só que, tudo na sua vida se altera, quando coincidentemente se apaixona por uma rapariga punk, que o inicia ao pensamento social, político e cultural, através da música, ao mesmo tempo que o seu pai é hospitalizado, após um acidente que o incapacita por um par de semanas. Assim, começa um conto geracional alternadamente divertido e tocante, que consegue eficazmente traçar a imagem de um país politicamente dividido, onde a arte surge não como um escape, mas como uma forma tão legítima como qualquer outra de pensar a atualidade (e, mais filmes, com maturidade para abordar esse estilo de temáticas, eram bem-vindos), nunca perdendo de vista a paixão dos fãs, que compram discos, vão a concertos e fazem dos membros das bandas os seus heróis, os seus representantes máximos. É uma cultura, que não vemos comumente retratada e, é precisamente a paixão com que esse retrato é feito, que nos comove e cativa do princípio ao fim.


Realização: Derrick Borte
Argumento: Matt Brown
Género: Drama
Duração: 92 minutos

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