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Crítica: "The Bad Batch: Terra Sem Lei", de Ana Lily Amirpour



Amirpour é uma cineasta incomum e, consequentemente, fascinante. Em “The Bad Batch: Terra Sem Lei” (estreia-se hoje), a iraniana, que anteriormente tinha cruzado com notável brilhantismo Jim Jarmusch e Quentin Tarantino, numa impressionante estreia nas longas-metragens, chamada “Uma Rapariga Regressa de Noite Sozinha a Casa”, vai agora colher inspiração ao surrealismo poético de Alejandro Jodorowsky e, assina este belíssimo conto apocalíptico, onde num futuro nunca especificado, o governo dos Estados Unidos escolhe abandonar quem considera indigno, num deserto árido no Texas, fisicamente separado do resto do país por um muro. Ora, com um ponto de partida assim, não será preciso adiantar mais detalhes acerca desta distopia, para percebermos que Amirpour escolheu colocar de lado as subtilezas nesta crítica visceral à América de Trump, aos seus múltiplos fantasmas e preconceitos alarmantes, conduzindo o público até um território devastado, unicamente habitado por gente desesperada, sem razões para acreditar numa possível vida melhor que sabem nunca ir chegar. Isto, apresentado num cruzamento alucinatório entre humor muito sarcástico, realismo contundente e pronunciados contornos de terror (mais predominantes na primeira parte, quando a protagonista encontra uma tribo de canibais), correspondendo assim, a uma experiência sensorial como poucas (reminiscente de títulos como “El Topo” ou “Spring Breakers”), que funciona simultaneamente como um neo-western apaixonante e hipnótico e como uma sátira político-social ácida, na qual dirigentes sem face, decidem despossar quem não se consegue defender, por razões permanentemente arbitrárias. Nesse sentido, continuemos a celebrar Amirpour pelos delicados objetos cinematográficos, que constrói e, mencionemos também um elenco delicioso, que além dos protagonistas Jason Momoa (num anti-herói lacónico memorável) e Suki Waterhouse (extraordinária, naquela que é apenas a sua estreia como atriz), inclui ainda pequenos, mas sumarentos papeis para interpretes como Diego Luna, Jim Carrey e Keanu Reeves (este último, até consegue um monólogo de antologia). Em Setembro de 2016, arrecadou o prémio do júri em Veneza e agora é lançado comercialmente numas pouco ambiciosas 3 salas (Almada Fórum, Parque Nascente e Alvaláxia), escusado será dizer, que descobri-lo é um dever.


Realização: Ana Lily Amirpour
Argumento: Ana Lily Amirpour
Género: Terror, Romance
Duração: 118 minutos

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