Avançar para o conteúdo principal
Crítica: "mãe!" ("mother!"), de Darren Aronofsky



Um homem e uma mulher, numa mansão quase etérea. Ele, quer recuperar uma inspiração que pode nunca mais voltar e, acabar o poema da sua vida. Ela, quer utilizar o seu tempo, para transformar a casa num paraíso. Porém, esse clima aparentemente pacifico é alterado pela cheda de alguns estranhos, que rapidamente passam da simpatia e cordialidade, para as mais diversas formas de agressão e manipulação. Ora e, quando colocada desta maneira mais ou menos simplista, a narrativa concebida por Darren Aronofsky poderá assemelhar-se à de um filme de terror, no entanto, embora essa linguagem seja mesmo convocada por uma mise en scène, que privilegia um sentimento de desconforto latente (espetadores mais claustrofóbicos poderão não apreciar alguns aspetos), mas “mãe!” não encaixa em gavetas previamente estabelecidas, nem cede a convenções banais. Assim e, porque quanto menos se souber melhor, afirmemos apenas que esta é uma experiencia cinematográfica catártica e ousada, onde um artista se questiona e nos questiona, com uma honestidade contundente e acutilante, recorrendo a um surrealismo simultaneamente alucinado e assustadoramente realista. Afinal, este é um cinema teimosamente cerebral, que insiste em estabelecer uma relação com o mundo em que vivemos, em pensar e confrontar os nossos vários fantasmas sociais, ao invés de fugirmos deles. É um delírio vertiginoso e ofegante, como só um autor no topo da sua forma conseguiria compor, apenas comparável a um chocante, melancólico e introspetivo objeto como “Anticristo”, de Von Trier (quem conhece o título em questão, ficará com uma ideia desta nova proposta). Além disso, o elenco é maravilhoso, a começar por uma estonteante dupla de protagonistas, Lawrence e Bardem, como nunca sonhamos em vê-los antes. Grandioso acontecimento, acerca do qual falaremos muito nos próximos anos…


Realização: Darren Aronofsky
Argumento: Darren Aronofsky
Género: Drama, Terror
Duração: 121 minutos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Destroyer: Ajuste de Contas" O falhanço financeiro de um duo de produções conturbadas (“Aeon Flux” e “O Corpo de Jennifer”) remeteram Karyn Kusama a um silêncio demasiado longo. No entanto, em 2016, reencontrámo-la aos comandos de um filme francamente impressionante. Chamava-se “The Invitation” e convidava-nos a entrar na intimidade fantasmática de um homem que não conseguia ultrapassar um acontecimento traumático que o destruiu. Passou completamente ao lado do circuito comercial, contudo, tornou-se num fenómeno de culto em homevideo e deu visibilidade suficiente à sua autora para lhe permitir filmar com um orçamento mais alto (9 milhões), o apoio de um estúdio interessado em auxiliar cineastas ousados (a Annapurna) e um elenco preenchido por nomes sonantes para filmar o seu magnum opus , ou como diriam os românticos alemães do século XIX a sua Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”). Trata-se do conto sanguinolento e melancólico de Erin Bell (Nicole Kidman). Uma
"Clímax", de Gaspar Noé Nos primeiros minutos de “Clímax” é-nos providenciado um plano aéreo de uma mulher ensanguentada a percorrer um mar de neve, eventualmente caindo prostrada no branco e nele se distendendo. É a chamada  god’s eye view , um enquadramento da visão divina, que contempla as minúsculas romagens humanas lá do alto, sempre com indiferença. Essa vista alonga-se, para encontrar uma árvore, numa panorâmica lenta que vai abrindo caminho para o horizonte, orientando-se de tal modo que coloca a rapariga no céu e, por conseguinte, Deus na terra. Ainda não terminaram os segundos iniciais da sexta longa-metragem de Gaspar Noé e o mesmo já declarou que as imagens delirantes a que seremos expostos nos seguintes 95 minutos, se encontraram num intervalo permanente e perturbante entre o olhar distante de um qualquer Deus terreno e a lógica sacralizadora de um artista em busca de sensações viscerais. Caso restem dúvidas, o ecrã é imediatamente apoderado por uma
"Juliet, Nua", de Jesse Peretz Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”. Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd)