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Crítica: "Tempo de Recomeçar" ("The Bachelors"), de Kurt Voelker


Em tempos dominados por blockbusters vistosos, acompanhados por campanhas de marketing francamente ruidosas, ainda haverá espaço para um acontecimento tão discreto como este? Enfim, os resultados nas bilheteiras podem andar prontos para provar que não, mas importará sinalizar o lançamento de uma fita assim tão charmosa e simples. “Tempo de Recomeçar”, de Kurt Voelker, não vem oferecer sequências de ação imponentes, efeitos visuais de encher o olho ou, uma narrativa com reviravoltas de deixar o espetador com um torcicolo, no entanto, é um conto humanista, sobre emoções complexas que nunca tenta simplificar as situações em que as suas personagens se veem envolvidas. Nele, acompanhamos um pai e filho em luto, que se mudam para o outro lado do país, onde o primeiro conseguiu um emprego, graças a uma amizade de longa duração com o reitor de uma prestigiada escola privada. Uma vez lá, ambos conhecem mulheres igualmente atormentadas, com quem iniciam relações mais ou menos intimas, que surgem quase como uma espécie de começo de um processo de recuperação que tardou em ser iniciado. No entanto, numa situação assim tão difícil, não existem exatamente soluções fáceis. Voelker, que anteriormente havia trabalhado maioritariamente em fitas pensadas para públicos mais infantis, surpreende ao conceber uma trama matura, que sem abusar dos sentimentalismos, retrata de forma comovente e pensativa a realidade de uma série de situações, que provavelmente não vemos tanto quanto devíamos no grande ecrã, como o luto, a solidão ou a desagregação progressiva e destrutiva de laços familiares. E, que o faça com melancolia honesta e um sentido de humor gentil (além de um imperial J.K. Simmons), só abona a seu favor.


Realização: Kurt Voelker
Argumento: Kurt Voelker
Género: Comédia, Drama
Duração: 99 minutos

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