Avançar para o conteúdo principal
Crítica:

"Linha Fantasma"


Um conto fantasmagórico de puro encantamento. Apenas assim, podemos descrever adequadamente a mais recente experiência de Paul Thomas Anderson. Uma odisseia obsessiva e imperscrutável, acerca de um aclamado costureiro, que inicia uma estranha relação com uma empregada de mesa, que se torna a sua musa. Evocando os códigos clássicos do romance gótico, o autor de “O Mentor” e “Haverá Sangue” reúne-se novamente com Daniel Day-Lewis (soberbo, naquela que pode muito bem ser a sua derradeira interpretação), para conceber um melodrama que não se parece com nenhum outro. Aliás, à saída apetece mesmo questionar, afinal, o que está no centro de “Linha Fantasma”. Será um olhar sobre os perigos e ilusões da masculinidade tóxica? Uma autobiografia disfarçada de filme de época à antiga (poderíamos argumentar que o protagonista, não mais é senão uma extensão do próprio Paul Thomas Anderson)? Uma sátira às convenções das produções britânicas de prestígio? Enfim, pouco o que importa o que achamos dele hoje, porque amanhã já podemos ter outra opinião. Está aqui, um encontro com um cinema da mente, que nos hipnotiza, seduz e desafia. À semelhança dos títulos anteriores deste mestre, é caso para dizer que passaremos alguns anos a dissecá-lo…


Realização: Paul Thomas Anderson
Género: Drama
Duração: 130 minutos

Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Destroyer: Ajuste de Contas" O falhanço financeiro de um duo de produções conturbadas (“Aeon Flux” e “O Corpo de Jennifer”) remeteram Karyn Kusama a um silêncio demasiado longo. No entanto, em 2016, reencontrámo-la aos comandos de um filme francamente impressionante. Chamava-se “The Invitation” e convidava-nos a entrar na intimidade fantasmática de um homem que não conseguia ultrapassar um acontecimento traumático que o destruiu. Passou completamente ao lado do circuito comercial, contudo, tornou-se num fenómeno de culto em homevideo e deu visibilidade suficiente à sua autora para lhe permitir filmar com um orçamento mais alto (9 milhões), o apoio de um estúdio interessado em auxiliar cineastas ousados (a Annapurna) e um elenco preenchido por nomes sonantes para filmar o seu magnum opus , ou como diriam os românticos alemães do século XIX a sua Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”). Trata-se do conto sanguinolento e melancólico de Erin Bell (Nicole Kidman). Uma
"Clímax", de Gaspar Noé Nos primeiros minutos de “Clímax” é-nos providenciado um plano aéreo de uma mulher ensanguentada a percorrer um mar de neve, eventualmente caindo prostrada no branco e nele se distendendo. É a chamada  god’s eye view , um enquadramento da visão divina, que contempla as minúsculas romagens humanas lá do alto, sempre com indiferença. Essa vista alonga-se, para encontrar uma árvore, numa panorâmica lenta que vai abrindo caminho para o horizonte, orientando-se de tal modo que coloca a rapariga no céu e, por conseguinte, Deus na terra. Ainda não terminaram os segundos iniciais da sexta longa-metragem de Gaspar Noé e o mesmo já declarou que as imagens delirantes a que seremos expostos nos seguintes 95 minutos, se encontraram num intervalo permanente e perturbante entre o olhar distante de um qualquer Deus terreno e a lógica sacralizadora de um artista em busca de sensações viscerais. Caso restem dúvidas, o ecrã é imediatamente apoderado por uma
"Juliet, Nua", de Jesse Peretz Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”. Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd)