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Crítica:

"A Agente Vermelha"


Outrora um modelo mais ou menos recorrente no panorama do cinema de entretenimento, apontado a um público pensante, os filmes de espionagem ocuparam, durante vários anos, um papel de enorme relevo na indústria americana. No entanto, a entrada no século XXI, foi impiedosa e, por conseguinte, essas fitas necessitaram de seguir um de dois caminhos: permanecer fiéis aos seus valores narrativos e estéticos, no processo, aceitando estratégias de distribuição mais limitadas (vejamos, por exemplo, “A Toupeira”) ou aproximar-se do território da ação (a franchise “Missão Impossível” será a mais reconhecível representante disso mesmo). Nesse sentido, fará sentido aplaudir um acontecimento tão arriscado e, até antiquado (no melhor sentido possível do termo) como “A Agente Vermelha”, de Francis Lawrence.


Um thriller adulto, reminiscente de algumas obras de Brian de Palma, que coloca Jennifer Lawrence como uma talentosa bailarina russa, que é impossibilitada de continuar a seguir essa carreira, depois de ser incapacitada num acidente brutal. Assim, sem nenhuma fonte de rendimento que lhe permita sustentar a mãe, afetada por uma doença degenerativa, esta vê-se forçada a aceitar as exigências do tio (Matthias Schoenaerts), que a encara enquanto uma possível candidata a uma posição de espia.

Para tal, embarca numa violentíssima odisseia, pautada por constantes abusos (sejam eles físicos ou emocionais), que encontra o seu centro numa recôndita instituição, comandada por uma intimidante Charlotte Rampling, onde os pupilos são treinados na arte da sedução, assim empregando os seus corpos no seu ofício e “arrancando” informações por meio dos mais perversos jogos eróticos.



Convenhamos, “A Agente Vermelha” não demora muito a assumir-se como um filme que procura escapar aos inúmeros clichés do género e, arriscaríamos mesmo a argumentar que só para contemplar a estonteante sequência preambular, já valeria a pena comprar bilhete. No entanto, este requintado conto possui outros méritos, como a forma como sabe retratar subtilmente a complexidade das relações humanas, aqui permanentemente imiscuídas nos círculos de poder, onde os impulsos derivados do desejo parecem mesmo contagiar todas as interações. Acima de tudo, Francis Lawrence e o argumentista Justin Haythe concebem um empolgante e metódico exercício de suspense, que acompanha os movimentos e ações das suas personagens para compreender o que os motivo, no interior de uma teia de muitas intrigas, que parece sugerir uma nova Guerra Fria.


Realização: Francis Lawrence
Argumento: Justin Haythe
Género: Thriller
Duração: 139 minutos

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