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Crítica: "Noite de Jogo"


John Francis Daley e Jonathan Goldstein passaram os últimos anos a tentar e falhar acertar na realização. Enquanto argumentistas sempre se assumiram como talentos extremamente confiáveis e, o primeiro até mantem uma sólida carreira no mundo da representação, mas, atrás das câmaras o sucesso iludiu-os constantemente até este “Noite de Jogo”. Um bonito exercício de pura subversão, onde se encena uma narrativa reminiscente de algumas obras de David Fincher, no entanto, num contexto de comédia burlesca. Tudo acontece em torno de Max e Annie (Jason Bateman e Rachel McAdams), um casal que semanalmente reúne outros casais para uma noite de jogos. Porém, num desses prazerosos serões, o irmão mais velho de Max propõe uma experiência limite: uma festa sob o tema de um crime mistério, onde tudo será de tal forma convincente, que nenhum dos participantes chegará a perceber onde acaba a ficção e começa a realidade… O humor, proveniente do argumento de Mark Perez, é constante e consistentemente hilariante e, o estupendo elenco não falha uma única nota, mas o mais interessante é a maneira como Daley e Goldstein encontram um balanço perfeito entre os elementos cómicos e a violência sanguinolenta inerente aos aspetos mais negros da história, no processo, concebendo uma pequena maravilha, tão eficaz na criação de uma atmosfera de suspense (auxiliada por uma banda-sonora de primeira água de Cliff Martinez), como no sucessivo “arrancar” de gargalhadas ao espetador. E, ao confiar o seu sucesso à construção meticulosa de um argumento inteligente e ambicioso, o filme do duo representa também um nostálgico regresso às boas comédias americanas dos anos 80/90. Além disso, quase sentimos a necessidade de dizer, que só para ver Jesse Plemons a fazer um rocambolesco polícia sisudo, já valeria a pena pagar o preço do bilhete.


Argumento: Mark Perez
Género: Thriller, Comédia
Duração: 110 minutos

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