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Crítica: "Cuidado com a Mamã e o Papá"


Bryan Taylor sempre demonstrou um talento muito curioso para a criação de personagens e situações mais ou menos bizarras, que se vão desenvolvendo de maneiras sempre pouco usuais a um ritmo frenético. No entanto, aos seus títulos anteriores, faltava uma execução tão inspirada como os sugestivos pontos de partida. Ora, o mesmo não pode ser dito acerca deste “Cuidado com a Mamã e o Papá”, que começa por nos introduzir a um subúrbio norte-americano afluente, povoado quase unicamente por burgueses desiludidos com a vida, onde um fenómeno inquietante, começa a causar nos habitantes uma necessidade histérica de assassinar os seus próprios filhos. Nas mãos de alguém com menos controlo tonal, estariam reunidos todos os elementos necessários para um absoluto desastre, no entanto, Taylor sabe exatamente o que quer e, o resultado é uma diabólica e grotesca metáfora sobre a aniquilação da família nuclear americana, acompanhada pela dissolução dos elementares laços que unem os seus membros, pontuada por um sentido de humor malévolo que se traduz em meia dúzia de espantosos momentos cómicos, quase todos protagonizados por um Nicolas Cage em estado de graça. Apetece mesmo dizer que, finalmente, apareceu alguém capaz de pegar nas capacidades mais histriónicas do ator, para fins manifestamente interesssantes. Convenhamos que, por motivos mais ou menos óbvios (como o negrume da premissa, por exemplo), “Cuidado com a Mamã e o Papá” não se adivinha um fenómeno financeiro, mas não há como negar que fica como um dos maiores e mais fascinantes OVNIS deste ano cinematográfico.


Realização: Bryan Taylor

Argumento: Bryan Taylor


Género: Comédia, Terror

Duração: 86 minutos

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