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Crítica: "Um Lugar Silencioso"


Como encenar um contundente melodrama familiar no século XXI? Então e um conto de terror apocalíptico? Segundo Krasinski, fundindo-os. O resultado é uma das experiências cinematográficas mais entusiasmantes de 2018, cruzando dois dos géneros mais estafados e pejados de clichés do panorama contemporâneo, para originar uma empolgante odisseia de sustos e suspense, algures entre Hitchcock e Carpenter. Basicamente, o mundo tornou-se num local inóspito, quando monstros que comunicam entre si exclusivamente pelo som e possuem um requintado aparelho auditivo, que lhes permite detetar o paradeiro das suas presas ao menor ruído. Assim sendo, a única maneira de sobreviver, é construir uma vida no silêncio, constantemente evitando a reprodução dos mais discretos sons. Para famílias como os Abbott, que conseguiram escapar aos primeiros confrontos com os mutantes em questão, o quotidiano tornou-se num sem fim de preocupações e praticas, especificamente para manter estes seres longe. No entanto, a gravidez da matriarca aproxima-se do término e, a chegada de um bebé, representará uma infeliz quebra na meticulosa rotina da unidade familiar que o receberá. Não sendo um filme mudo, “Um Lugar Silencioso” surge mesmo pautado pela quase permanente falta de diálogos, transmitindo todos os muito importantes pormenores adjacentes ao quarteto de protagonistas e, das notoriamente difíceis situações em que são colocados, através de uma atmosfera intoxicante, proveniente de uma mise en scène subtil e de um argumento humanista (a componente emocional da história promete arrasar qualquer espetador), que tem a inteligência de ancorar toda a fita nas mãos de um estupendo elenco e, a habilidade de se resolver numa admiravelmente económica duração de apenas 90 minutos.



Realização: John Krasinski

Argumento: Bryan WoodsScott Beck


Género: Drama, Terror

Duração: 90 minutos

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