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Crítica: "O Segredo da Câmara Escura"

Jean e Stéphane aparentam ser homens completamente diferentes. O primeiro é um jovem pouco ambicioso, que vive à custa de biscates ocasionais. O segundo, é um artista respeita do, cujo quotidiano vai sendo ocupado por sessões fotográficas “cerimoniais” com a filha, de tal maneira obsessivas e ritualizadas, que quase parecem assemelhar-se a uma espécie de masoquismo. No entanto, ambos partilham uma semelhança fundamental, nomeadamente, uma relutância absoluta em aceitar a mudança dos tempos, em abandonar um passado que não voltará nunca. E, é precisamente aí, que encontramos o coração deste extraordinário filme do nipónico Kiyoshi Kurosawa. Novamente, a encenar contos subtilmente fantasmagóricos, onde o quotidiano dos humanos vai ser interrompido por projeções físicas dos males que os atormentam, neste caso, o romantismo nostálgico destes dois seres, que lenta mente enlouquecem. Claro está, que rigorosamente nada disto funcionaria sem o metódico labor dos atores e, felizmente, Kurosawa teve a sapiência de encontrar gente como Tahar Rahim e Olivier Gourmet.


Realização: Kiyoshi Kurosawa

Argumento: Kiyoshi Kurosawa

Elenco: Tahar RahimConstance Rousseau, Olivier Gourmet

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