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Crítica: "Columbus"


No cinema, o cenário é fundamental. Aliás, uma boa forma de separar os estudantes dos mestres, digamos assim, é olhar para a maneira como os corpos e os espaços se entrelaçam. Se alguma vez isso se verifica, ou os locais são tratados como meras paisagens, para fotografar como se de postais se tratassem.
Felizmente, ainda existem cineastas emergentes que sabem disso, e Kogonada (pseudónimo inspirado por um dos mais recorrentes argumentistas de Ozu, Kogo Nada) é mesmo um deles. Um ensaísta sul-coreano, habituado a conceber meticulosas analises em video ao trabalho de autores tão dispares como Jean-Luc Godard ou David Fincher, que se estreia na realização com um dos filmes mais belos e gentis da temporada: Columbus.


A Columbus em causa, é uma cidade do Indiana, conhecida como uma pequena “meca” da arquitetura modernista, onde se encontram duas almas à deriva no tempo e espaço. Um interprete coreano (John Cho), que retorna aquele local para visitar o pai, talvez pela última vez, devido a problemas de saúde, e uma adolescente (Haley Lu Richardson), apaixonada pelo modernismo, que colocou os seus sonhos em modo de espera, para tomar conta da mãe, ainda a recuperar de uma dolorosa toxicodependência.


Com um humanismo que chama à mente Ozu e Linklater (certamente, os seus mestres), Kogonada vai acompanhando as deambulações destas personagens, sem paternalismos, nem lugares comuns, ainda para mais construindo um meticuloso dialogo entre a psicologia das personagens e as formas circundantes, como se o espaço físico e mental se tornassem num único. Elaboradíssimo exercício de cinema, enraizado numa melancolia serena, que se vai traduzindo nos longos diálogos dos dois protagonistas, muitíssimo bem interpretados por dois atores em estado de graça: John Cho e Haley Lu Richardson. Uma pérola.



Realização: Kogonada

Argumento: Kogonada


Género: Drama

Duração: 104 minutos

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