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Crítica: "Não te Preocupes, Não Irá Longe a Pé"


Há cineastas que se interessam somente por contar histórias, e encaram o seu ofício como uma maneira de as veicular, utilizando imagens. Depois existem outros, que apenas querem falar acerca de pessoas, do seu quotidiano e atribulações. Chamamos-lhes humanistas, e o americano Gus Van Sant continua a ser um dos seus mais fascinantes representantes. Exemplo modelar disso mesmo, é a sua mais recente longa-metragem, Não te Preocupes, Não Irá Longe a Pé, retrato peculiaríssimo da vida do controverso cartunista John Callahan (notável, Joaquin Phoenix), que necessitou de lutar contra um intimidante lote de demónios pessoais, que encapsulava a dependência do álcool, o acidente que o deixou paralisado, e a ausência da mãe que o abandonou à nascença. Em seu torno, Van Sant concebeu uma odisseia belíssima e curiosamente paradoxal. De uma assentada, contundente e hilariante, amargo e libertador, realista e onírico. Simplifiquemos, estamos perante um melodrama à moda antiga, assente em dois valores primordiais: a visão singular de um autor e o apaixonado labor de um invulgarmente talentoso grupo de atores, onde salta à vista um primoroso Jonah Hill, numa composição de muitas e intrincadas nuances.


Realização: Gus Van Sant


Argumento: Gus Van Sant

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