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Crítica: "Tully"


Será necessário sacrificar a juventude, para poder entrar na idade adulta? Ou melhor, será que só pondo de parte o passado, podemos verdadeiramente viver no presente? É possível que ninguém tenha maturidade suficiente para responder a perguntas tão abstratas, digam os assim, no entanto, Jason Reitman e Diablo Cody (cineasta e argumentista, respetivamente), procuram fazer precisamente isso, através de um filme que não podia encapsular melhor as suas filmografias. Chama-se “Tully”, e encena o encontro entre uma mãe de família à beira de um esgotamento (Charlize Theron) e uma ama noturna (Mackenzie Davis), que fora contratada para assegurar confortáveis noites de repouso à sua “patroa”. Algures entr e a mais contundente crónica matrimonial, e uma aura de thriller quase próxima do fantástico (poderíamos falar de um cruzamento entre Mary Poppins e Harmony Korine) Reitman leva-nos numa odisseia intimista, simultaneamente negra e luminosa, capaz de falar aberta e honestamente acerca de temáticas francamente complexas, sem nunca ceder à tentação de oferecer respostas fáceis ou soluções narrativas convenientes, ao invés apostando num humanismo comovente, ancorado num argumento brutalmente honesto, e num par de imensas performances de Charlize Theron e Mackenzie Davis. A primeira, a por de lado qualquer tipo de vaidade, para abraçar uma personagem à deriva numa existência depressiva. A segunda, a personificar uma espécie de anjo contemporâneo, que põe de parte quaisquer puritanismos para realizar a sua missão. Um clássico instantâneo.



Realização: Jason Reitman

Argumento: Diablo Cody

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