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"Mulher Que Segue à Frente", de Susanna White



O western morreu de causas naturais, e ninguém o consegue ressuscitar. Porquê? Porque, a simplicidade reconfortante da aventura mitológica dos bons contra os maus, se evidencia como um conceito francamente ultrapassado. Assim, qualquer realizador ou argumentista, que ambicione retornar ao velho oeste, necessita de mergulhar numa história de violência dantesca, eternamente assombrada pelos fantasmas do colonialismo e da xenofobia. Posto isto, qualquer cinéfilo minimamente atento, terá notado que nos últimos 50 anos, o género não viu outra coisa senão contos morais desencantados, que assumem mesmo esse dilema moral como o seu centro. “Mulher Que Segue à Frente”, a terceira longa-metragem da cineasta britânica Susanna White, constitui a mais recente entrada nesses cânones.


Trata-se de uma encenação cinematográfica da história verídica da americana Catherine Weldon (Jessica Chastain). Uma pintora, que rumou para a Dakota do Norte, de maneira a imortalizar a imponente e emblemática figura do chefe índio Touro Sentado (Michael Greyeyes), em 1890. Uma vontade que começa por surgir das muitas ambições da artista em causa, mas, que acabou mesmo por moldar as suas convicções politicas, à medida que foi conhecendo a população nativa, e as táticas de intimidação, utilizadas pelas autoridades governamentais, para os convencer a abdicar das suas terras, sem resistência, e a aceitar a oferta de um lugar em reservas definidas e delimitadas pela administração central dos EUA.


Escusado será dizer, que numa altura em que a necessidade de representação de minorias se tornou num tema do momento, “Mulher Que Segue à Frente” se assume como um conto vital, possuidor de uma atualidade surpreendente. De uma assentada, uma narrativa antiquada (impossível não pensar em autores como John Ford ou David Lean, tal é o classicismo do trabalho de White), centrada no comovente brotar de uma amizade improvável, e um olhar desencantado e incisivo sobre a história de uma nação, que durante demasiado tempo, procurou esconder um passado sanguinolento debaixo do sedutor manto das formações mitológicas. Uma coisa é certa, o western como o conhecíamos acabou, mas, o processo de reavaliação histórica da epopeia do Velho Oeste, ainda vai no inicio…


Realização: Susanna White
Argumento: Steven Knight

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