Avançar para o conteúdo principal
"Assim Nasce Uma Estrela" ("A Star Is Born"), de Bradley Cooper


Primeiro era Clint Eastwood quem ia filmar a quarta versão cinematográfica de "Assim Nasce Uma Estrela", no entanto, uma má experiência no campo do musical (o seu "Jersey Boys" fracassou brutalmente nas bilheteiras mundiais), assustou o veterano, e convenceu-o a trabalhar em projetos menos arriscados, no processo, deixando ao abandono o conto romanesco do encontro entre um músico fora de tempo, e uma rapariga com invulgares dotes vocais. Seguiu-se um acontecimento genuinamente milagroso. Como assim? Pois bem, o ator tornado cineasta Bradley Cooper, repescou esse mesmo conceito, e providencionou-nos o que aparentava ser impossível: uma releitura ultrapessoal da história clássica, que se assume como uma tocante declaração de amor ao rigor humanista de uma certa tradição melodramática, de raiz eminentemente trágica.


Aliás, como muitos outros mencionaram antes de nós, um dos aspetos centrais do filme, é mesmo a revalorização de um gosto genuíno pelo labor dos atores (não só a resplandecente composição de Lady Gaga, como também o imenso Sam Elliot, num dos momentos altos de uma carreira lendária). No entanto, o que mais nos fascina no trabalho de Cooper, é a maneira como encena este romance de fulgor quase épico, como uma odisseia duplíce, conjugando com graciosidade e eloquência o espetáculo exuberante de uma mulher que se descobre enquanto artista, com a elegia de um cantor, que já não consegue exorcizar os fantasmas de um passado desencantado, com as suas composições. Uma coisa é certa, se em Gaga nasce uma estrela, que durante muito tempo iluminará os nossos ecrãs, então, Cooper evidência-se como um autor percetivo e empático, que nos convence do primeiro ao último frame.


Realização: Bradley Cooper


Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Destroyer: Ajuste de Contas" O falhanço financeiro de um duo de produções conturbadas (“Aeon Flux” e “O Corpo de Jennifer”) remeteram Karyn Kusama a um silêncio demasiado longo. No entanto, em 2016, reencontrámo-la aos comandos de um filme francamente impressionante. Chamava-se “The Invitation” e convidava-nos a entrar na intimidade fantasmática de um homem que não conseguia ultrapassar um acontecimento traumático que o destruiu. Passou completamente ao lado do circuito comercial, contudo, tornou-se num fenómeno de culto em homevideo e deu visibilidade suficiente à sua autora para lhe permitir filmar com um orçamento mais alto (9 milhões), o apoio de um estúdio interessado em auxiliar cineastas ousados (a Annapurna) e um elenco preenchido por nomes sonantes para filmar o seu magnum opus , ou como diriam os românticos alemães do século XIX a sua Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”). Trata-se do conto sanguinolento e melancólico de Erin Bell (Nicole Kidman). Uma
"Clímax", de Gaspar Noé Nos primeiros minutos de “Clímax” é-nos providenciado um plano aéreo de uma mulher ensanguentada a percorrer um mar de neve, eventualmente caindo prostrada no branco e nele se distendendo. É a chamada  god’s eye view , um enquadramento da visão divina, que contempla as minúsculas romagens humanas lá do alto, sempre com indiferença. Essa vista alonga-se, para encontrar uma árvore, numa panorâmica lenta que vai abrindo caminho para o horizonte, orientando-se de tal modo que coloca a rapariga no céu e, por conseguinte, Deus na terra. Ainda não terminaram os segundos iniciais da sexta longa-metragem de Gaspar Noé e o mesmo já declarou que as imagens delirantes a que seremos expostos nos seguintes 95 minutos, se encontraram num intervalo permanente e perturbante entre o olhar distante de um qualquer Deus terreno e a lógica sacralizadora de um artista em busca de sensações viscerais. Caso restem dúvidas, o ecrã é imediatamente apoderado por uma
"Juliet, Nua", de Jesse Peretz Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”. Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd)