"Halloween"
“Tudo o que sei acerca do Mal, aprendi-o em Bowling Green”, confessava John Carpenter, referindo-se à pequena cidade do Kentucky, onde cresceu, e subtilmente explicando o que o fascina. Isto é, no seu cinema, os antagonistas nunca se resumem a figuras negativas meramente acessórias, pelo contrário, aquilo que os seus protagonistas enfrentam são, isso sim, perturbantes corporizações do Mal quotidiano. Dito de outro modo, quando entramos num dos seus contos de terror, encontramos sempre narrativas mais próximas dos fascinantes mecanismos da fábula, colocando personagens inocentes, contra seres perturbantes, que veiculam os pecados da sociedade em seu torno.
Seguindo essa linha de pensamento, importa nunca encarar Michael Myers apenas como um serial killer sem rosto, porque ele é um conceito muito mais insidioso. Myers, ou “A Forma”, como é descrito no genérico final, é a representação máxima do puritanismo religioso que condenou a liberdade sexual das raparigas americanas dos anos 70. Afinal, não é por acaso, que o seu alvo permanece o mesmo durante os 111 minutos dessa obra-prima de 1978: babysitters adolescentes, que insistiam em não agir em concordância com os costumes opressivos dos seus pais e avós.
Assim sendo, se quisermos excluir quaisquer pensamentos mercantilistas (ou seja, é necessário rentabilizar franquias que o público conheça), o regresso de “Halloween” quase surgirá como um acontecimento eminentemente político. Porquê? Pois bem, porque num tempo de Donald Trump e Jair Bolsonaro, onde assistimos à inquietante ascensão de uma extrema direita, que nem procura esconder os seus preconceitos e ideais retrógrados, fará todo o sentido que Myers também retorna, para voltar a aterrorizar quem não planeia caminhar em direção à idade das trevas, uma outra vez.
Assim sendo, se quisermos excluir quaisquer pensamentos mercantilistas (ou seja, é necessário rentabilizar franquias que o público conheça), o regresso de “Halloween” quase surgirá como um acontecimento eminentemente político. Porquê? Pois bem, porque num tempo de Donald Trump e Jair Bolsonaro, onde assistimos à inquietante ascensão de uma extrema direita, que nem procura esconder os seus preconceitos e ideais retrógrados, fará todo o sentido que Myers também retorna, para voltar a aterrorizar quem não planeia caminhar em direção à idade das trevas, uma outra vez. Desta feita, passaram-se 40 anos desde a fita original, e todas as seguintes continuações (que nem tinham Carpenter aos comandos, nem o subtexto sociopolítico que ele trazia consigo), Myers continua fechado num hospício, onde não comunica com ninguém (nessas quatro décadas nunca proferiu uma única palavra), e Laurie Strode dedicou a sua vida a preparar-se para a eventualidade de um segundo encontro com o vulto que a perseguiu anos antes. Em seu torno, todos a encaram como louca, contudo, essas suas preocupações evidenciam-se como corretas, quando um acidente de carro, na noite de 31 de Outubro (obviamente), liberta uma série de pacientes que estavam a caminho de novos “lares”, entre os quais, Michael Myers.
Estudante atento do transcendentalismo de Terrence Malick, e do olhar contemplativo de Richard Linklater, David Gordon Green (que nunca antes tinha assinado uma película de terror), tomou atenção aos ensinamentos de Carpenter, dele recuperando os movimentos de câmara serenos, que lhe permitem descobrir o cenário em profundidade, e a importância de estabelecer ressonâncias imediatas entre os acontecimentos que testemunhamos, e a realidade que vivemos. Aliás, no mundo que viu o #MeToo crescer em popularidade, e destronar figuras aparentemente indestrutíveis, diga-se mesmo que esta é uma das mais interessantes e inesperadas evocações desse ambiente, colocando diretamente um trio de mulheres (nunca indefesas), contra os males da masculinidade tóxica (de notar, que a objetificação sexual é também um dos grandes temas da narrativa), num espetáculo de sustos e sanguinolência francamente charmoso, que nunca se remete a um labor mecânico de copista, preservando sempre uma postura eminentemente cinéfila, que vem mesmo confirmar Gordon Green como um dos mais imprevisíveis, inteligentes e versáteis cineastas contemporâneos.
Realização: David Gordon Green
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