Crítica
"Viúvas", de Steve McQueen
Quem conhecer o trabalho de Steve McQueen (autor de títulos notáveis como "Fome" ou "Vergonha"), certamente, reconhecerá nele um obstinado representante de um certo cinema político, que procura expor as convulsões e contradições da história, através das nuances dos destinos individuais.
Porventura, por isso, muitos tenham encarado com estranheza a sua vontade de dirigir um thriller, que recuperava a premissa de uma minisérie de 1983. Afinal, a odisseia de uma galeria de viúvas, que herdaram as ramificações dos pecados cometidos pelos cônjuges defuntos, aparentava estar nos antípodas do estilo contemplativo e melancólico do britânico.
No entanto, desenganem-se os que viam "Viúvas" como uma possível tentativa de reinventar uma filmografia ainda curta, porque McQueen apenas se interessa pelos mecanismos do policial, na medida, em que lhe permitem facilitar a entrada do público, num bairro onde cabem alguns dos mais perturbantes fantasmas contemporâneos.
Aliás, o elemento mais sedutor do filme é mesmo a maneira como o argumento (da autoria da romancista Gyllian Flynn e do próprio Steve McQueen), vai assumindo contornos labirínticos, multiplicando personagens e situações, que pintam o retrato de uma sociedade corroída pela perturbante proliferação de preconceito, violência e corrupção.
Labirinto esse, que apenas pode ser sustentado pelo apaixonado e meticuloso trabalho dos seus atores, e mesmo que seja impossível nomeá-los a todos (até nomes como Jon Bernthal ou Robert Duvall, são chamados para desempenhar papéis relativamente minúsculos), apetece citar dois: Colin Farrell, como um candidato político, que lamenta a herança de corrupção, que o pai lhe deixou, e Elizabeth Debicki, a oscilar entre a vulnerabilidade e a descoberta de uma força inesperada.
Resumindo de forma necessariamente esquemática, "Viúvas" trata-se de um thriller com a intensidade, a verve e a poesia dos melhores títulos de Michael Mann (o seu "Heat: Cidade sob Pressão", assume-se como uma fonte de inspiração óbvia), contudo, é também um elucidativo e tocante turbilhão de sentimentos e ações, desejos e ilusões, verdades e mentiras, vida e morte.
Realização: Steve McQueen
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