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Crítica: "Ou Nadas ou Afundas"


Estávamos em 1997, quando as salas de cinema internacionais foram invadidas pelo britânico “The Full Monty” (“Ou Tudo ou Nada”), uma comédia com tons dramáticos sobre um sexteto de empregados da indústria metalúrgica de Sheffield, na Inglaterra, que decide organizar um show de striptease para as mulheres da região, depois de serem alvo de um inesperado despedimento coletivo. O filme tornou num invejável sucesso financeiro (totalizou 258 milhões de dólares, num orçamento de apenas 3) e conseguiu mesmo chegar aos Óscares. Porquê? Pois bem, porque ao abordar temáticas como a depressão, a falta de autoestima e a procura por um novo “sentido de vida”, com candura e humor, o mundo encontrou naquela simpática produção independente, um gentil espelho da sua vida quotidiana.

Importa começar por “The Full Monty” para chegar a “Ou Nadas ou Afundas”. Segunda longa-metragem do ator Gilles Lellouche enquanto realizador (a primeira nunca se estreou em solo português e dá pelo nome de “Narco"), que procura acompanhar o quotidiano amargo de um grupo de homens de meia-idade, cada um assombrado por diferentes “fantasmas” (depressão, solidão, empregos pouco entusiasmantes, relacionamentos amorosos em decadência, etc.), que tentam escapar à entediante austeridade das suas rotinas diárias ao participarem num clube local de natação sincronizada. A partir dessa simples premissa, desencadeia-se uma lista de pequenos incidentes que, no limite, os conduzirão a reavaliar o valor primordial das suas relações com os restantes membros do grupo, e com o mundo que os rodeia.


Não sendo uma pérola de desconstrução narrativa, o filme de Lellouche surpreende pela inteligência com que o cineasta e os seus coargumentistas vão desenhando as suas personagens, sempre com uma atenção muito cuidada aos seus sentimentos e às situações em que as encontramos. O humor mantêm-se do primeiro ao último plano, sempre generoso e atento, beneficiando imenso do auxilio de um elenco que reúne alguns dos melhores atores francófonos contemporâneos.


Realização: Gilles Lellouche


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