"Pavarotti", de Ron Howard
Na primeira cena de “Pavarotti” vemos uma gravação caseira, onde a segunda mulher do tenor italiano, Nicoletta Mantovani, lhe pergunta como gostar ia de ser recordado. “Como o homem que trouxe a ópera ao povo”, responde sem hesitações. Acontece que, o cineasta Ron Howard não terá escolhido este momento para dar início ao seu documentário de forma inocente. Como assim? Pois bem, porque nesse momento de absoluta intimidade, Luciano evidencia-se perante o olhar atento da câmara como um confesso apaixonado por um métier, que encarava não como uma espécie de “regalia cultural” digna apenas dos intelectuais e boémios, mas como um possível fenómeno de massas que podia e devia ser apresentado em todos os auditórios, sejam eles tradicionais ou não (para si, cantar numa quinta não era de maneira nenhuma uma vergonha, pelo contrário). Da mesma maneira, a película que o americano lhe dedicou é pensada e executada como um suculento “naco” de entretenimento, onde nem sequer faltam lágrimas furtivas e gargalhadas sonoras. Isto é, desenganem-se aqueles que pensam que “Pavarotti” é um título apontado unicamente aos conhecedores do canto lírico, este é mesmo um pequeno acontecimento no panorama cinematográfico, aberto a todos os tipos de público: um documentário bem ritmado, que tem tanto de divertido e tocante, como de informativo e pedagógico, que consegue mesmo fazer um retrato de uma figura emblemática que nunca cai nos lugares comuns da mitificação. O Luciano Pavarotti que nos mostram é um homem de carne e osso, com problemas, medos, esperanças e ansiedades, alguém em quem nos podemos rever, e não uma qualquer lenda acessível somente através da sua própria iconografia.
Serve isto para dizer, que Ron Howard, em grande parte devido ao valioso contributo dos familiares do tenor e de outras nomes sonantes do panorama musical, cujos destinos se cruzaram com o de Pavarotti (Plácido Domingo, José Carreras ou Bono), tentou pintar um retrato que ofuscasse o mediatismo e encontrasse o humanismo. No processo, encontrou o homem por trás do mito, nomeadamente, um “camponês”, como se descrevia, com um carisma que irradia incessantemente e uma joie de vivre contagiante. Howard, que trabalha no meio desde que começou a representar aos 6 anos de idade em séries de televisão, soube reconhecer que a única maneira de mostrar Luciano ao mundo, seria ir de encontro aos seus ideais, no processo, concebendo um filme que não tivesse preguiça, nem medo de ir ter com a figura que convoca, em vez de esperar que ela se adeque a um outro modelo dramatúrgico qualquer. O resultado é uma bonita homenagem, que nos convida a esquecer a mitologia e a entrar na intimidade do biografado, sem preconceitos, nem pretensões. Houvesse mais gente a aprender com objetos como este e o panorama dos documentários musicais seria bem mais feliz do que é atualmente…
Texto de Miguel Anjos
Título Original: "Pavarotti"
Realização: Ron Howard
Argumento: Mark Monroe
Duração: 114 minutos
Distribuição: Outsider Films
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