"O Bar da Luva Dourada", de Fatih Akin
Berlim, 2019. Celebridades internacionais reúnem-se para celebrar um festival a 69º edição de um dos festivais de cinema mais importantes do mundo. No entanto, multiplicam-se as vozes que questionam os critérios de uma equipa de programação que parece mais interessada em corresponder a um ideal que em apresentar filmes desafiantes. Apesar de tudo, é compreensível. Afinal, quando se tem o patrocínio da Cartier, um verdadeiro ajuntamento de caras conhecidas a pousar para as revistas cor-de-rosa e uma imagem familiar e bem-pensante a defender, ninguém tem paciência, nem vontade para cinema perturbante. Logo, não é de espantar que a passagem de uma obra que chafurda tão alegremente na sargeta da miséria humana como “O Bar da Luva Dourada” tenha desencadeando vómitos, desmaios e protestos. O mundo não demorou a providenciar-lhe o cognome de “filme choque”, mas o que Akin faz é muito mais interessante que isso. De facto, o alemão convida-nos a acompanhar o quotidiano de Fritz Honka, responsável pelo falecimento de quatro mulheres na Hamburgo da década de 70. Contudo, a sanguinolência é a mínima possível e a maior parte da duração é dedicada às longas e rocambolescas idas de Honka ao mal-afamado bar titular, onde vamos conhecendo uma longa lista de personalidades desconcertantes. Porquê? Pois bem, porque Akin apenas se interessa por Honka, por reconhecer nele uma maneira de aceder à velha Alemanha do pós-Segunda Guerra Mundial, do nazismo recalcado, do racismo casual (o ódio latente aos vizinhos gregos do protagonista é um bom exemplo disso mesmo) e, claro está, da misoginia enraizada, que se encontra presente do primeiro ao último plano. “O Bar Luva Dourada” é, isso sim, um olhar “feio, porco e mau” sobre a natureza da sujidade, seja ela física ou moral. É que, mesmo à distância obvia que temos quando vemos um filme, tudo aqui tresanda a cerveja e aguardente baratas, tabaco e perfumes de qualidade duvidosa. Ficamos a saber que, na entretanto extinta RFA, o álcool era barato o suficiente para que qualquer um pudesse beber até esquecer os seus problemas e, apetece dizer, que esqueceram mesmo…
Texto de Miguel Anjos
Título Original: “Der Goldene Handschuh”
Realização: Fatih Akin
Argumento: Fatih Akin
Elenco: Jonas Dassler, Margarete Tiesel, Katja Studt
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