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"Maya", de Mia Hansen-Løve


Num dos primeiros momentos da sexta longa-metragem de Mia Hansen-Løve, um psiquiatra pergunta ao protagonista Gabriel (Roman Kolinka), recentemente libertado de um traumático cativeiro na Síria, se considera frequentar sessões com um psicólogo, de maneira a tentar recuperar mais rapidamente do sucedido e a resposta paradoxal que recebe sintetiza todo o cinema da francesa. Diz ele, um jornalista, que as palavras existem apenas para descrever situações concretas e tangíveis e, por conseguinte, não há nenhuma razão para perder tempo a discorrer sobre o que sofreu. Acontece que, também Hansen-Løve, cujo cinema possui contornos admitidamente biográficos, parece não se contentar somente com a ideia de relatar um momento especifico ou uma qualquer história, ao invés os seus filmes são melodramas delicados e aparentemente desprovidos de conceitos tradicionais como uma estrutura convencional, durante os quais somos convidados a entrar na esfera intima de personagens, cujos os estados de alma serão analisados no decorrer das próximas horas, através de uma mise en scène tão opulenta como despida de artifícios. Trata-se, afinal, de aproveitar as ferramentas que o meio cinematográfico oferece para conceber uma experiência que é, acima de tudo, transcendental. De filmar o invisível e o indizível.

Texto de Miguel Anjos

Título Original: "Maya"
Realização: Mia Hansen-Løve
Argumento: Mia Hansen-Løve
Elenco: Roman Kolinka, Aarshi Banerjee, Alex Descas

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