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"Stronger: Força de Viver", de David Gordon Green



David Gordon Green é um dos mais interessantes e rocambolescos cineastas do atual panorama. Interessante, porque este texano, que muitos caracterizaram como um novo Terrence Malick, aquando do lançamento dos seus primeiros filmes, conseguiu criar uma filmografia extraordinariamente respeitável, onde encontramos, no mínimo, 3 obras-primas contemporâneas (“George Washington”, “All The Real Girls” e “Anjos na Neve”. Rocambolesco, por ter escolhido seguir um quinteto de tocantes dramas familiares, com um rol de projetos, que incluía três comédias desbragadas e, um projeto de grande estúdio, com estrelas de primeira grandeza e um orçamento como só Hollywood pode garantir. Agora, encontramo-lo aos comandos de um filme, que quase parece um regresso aos tempos mais humildes, que marcaram os seus primeiros anos a realizar. “Stronger: Força de Viver”, sobre Jeff Bauman, sobrevivente do atentado na Maratona de Boston (2013), que perdeu as duas pernas. Ora, o espetador mais atento, poderá ter notado que a sua história já havia surgido recentemente nos nossos ecrãs, no excelente “Patriots Day”, de Peter Berg, mas enquanto que aí Bauman funcionava apenas como uma pequena peça de um intrincadíssimo puzzle de relações, com uma ambiência mais próxima do thriller policial que outra coisa, aqui o objetivo é viajar até ao seu amago. Descobrir o homem, por detrás do que até agora havia sido apenas uma “lenda”. É uma premissa complexa, que muitos poderiam não saber executar corretamente, no entanto, nem Gordon Green é um realizador qualquer, nem Jake Gyllenhaal um ator comum e, assim o resultado é uma experiência visceralmente emocional, ancorada num realismo imaculada, que não tem medo de retratar os elementos mais obscuros e menos glamorosos da vida das suas personagens. Tudo isto, sem nunca cair na manipulação emocional (claro que choramos, mas acontece organicamente e, não porque os envolvidos sintam a necessidade nos empurrar para esse território) e permanecendo sempre com um objetivo único, nomeadamente a construção de um retrato de subtil intimismo, que procura encenar a jornada de um homem comum à medida que aprende o preço do heroísmo. E, numa altura em que os super-heróis coloridos e ligeiros enchem os nossos ecrãs, é importante lembrar o quão custoso é, para os verdadeiros heróis (de carne e osso, que sangram e morrem) simbolizarem realmente a resistência humana na face da adversidade. Magnífico acontecimento e, num mundo justo, os nomes de Gyllenhaal e Maslany constariam certamente nas próximas nomeações aos Óscares, pela candura e autenticidade trágica que conferem às suas composições.


Realização: David Gordon Green
Argumento: John Pollono
Género: Drama
Duração: 119 minutos

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