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CRÍTICA - "SEMPRE PERTO DE TI"

Recentemente, comemorámos o centenário de Pier Paolo Pasolini, com o relançamento de alguns dos seus títulos mais emblemáticos. Agora, entramos (com o pé direito) na temporada de verão, com a terceira longa-metragem de um tal Umberto Pasolini (as duas anteriores permanecem inéditas no nosso mercado), nada mais, nada menos, que um primo em segundo grau de Pier Paolo (e, vejam só, sobrinho de Luchino Visconti).

Chama-se "Sempre Perto de Ti", baseia-se em acontecimentos verídicos, e acompanha John (James Norton), um pai solteiro que tem dedicado toda a sua energia a tomar conta de Michael (Daniel Lamont), o filho de apenas cinco anos. Apesar do desaparecimento da mãe, que trocou o Reino Unido pela sua Rússia natal, ele é uma criança feliz. No entanto, o quotidiano do duo é interrompido, quando é detetada uma doença grave a John, que lhe dá poucos meses de vida, ele fica desesperado.

Determinado em deixar Michael entregue a alguém que lhe dê o amor de que precisa, John vai passar o tempo que lhe resta a tentar encontrar quem se comprometa a nunca o abandonar.

Cada cena, cada plano e cada interação em "Sempre Perto de Ti" parecem revelar um humanismo e integridade difíceis de equilibrar, comovendo-nos facilmente, sem que Pasolini chegue a sentir a necessidade resvalar para o território da manipulação emocional. A história que serve de base ao filme é tristíssima, não há volta a dar, mas o cineasta evita o miserabilismo crónico devido à empatia com que trata as suas personagens, colocando-nos lado a lado com o seu protagonista numa odisseia manchada pela melancolia lancinante que deriva da inevitabilidade da morte, mas, pontuada por um sentimento de esperança deveras invulgar nos dias que correm.

Para isso, são fundamentais as contribuições dos atores, e se, James Norton é absolutamente exemplar como o pai sofredor, quem rouba as atenções é o pequeno Daniel Lamont, que, num surpreendente pas de deux com a escrita e a realização, consegue uma das performances infantis mais impressionantes de que há memória. A subtileza com que Pasolini e Lamont nos dão a conhecer a forma como o filho entende (e aceita?) a condição do pai é daqueles pequenos milagres de dramaturgia que a direção de atores acompanha (e até eleva) e que a sobriedade da partitura instrumental de Andrew McAllister nunca trai.

Demorou dois anos a chegar até nós (demo-nos por sortudos, em mercados consideravelmente mais importantes como os EUA, ainda nem sequer existe data de estreia prevista), mas esta pérola, resultante de uma coprodução entre Itália, o Reino Unido e a Roménia, é um fascinante melodrama, capaz de arrancar umas boas lágrimas até ao mais empedernido dos corações, que merece muito mais público do que aquele que acabará por ter...

★ ★ ★ ★ ★
Texto de Miguel Anjos

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