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CRÍTICA - "CASA DE REPOUSO"


Milann Rosseau (Kev Adams), de 30 anos, corresponde à imagem arquetípica de um “falhado”. O falecimento prematuro dos progenitores, redirecionou-o para um orfanato, onde passou a infância e adolescência, conhecendo, Samy (Omar Mebrouk), o seu melhor amigo, mas, nunca conseguindo adquirir qualquer tipo de competências sociais ou profissionais. Por conseguinte, Milann tornou-se num adulto sem eira nem beira, vivendo às custas de Samy (dorme no sofá lá de casa e, segundo consta, apenas ajudou a pagar a renda uma vez) e envolvendo-se em problemas de ordem judicial de forma mais ou menos sistemática.

Certo dia, um acidente leva-o a tribunal. Samy, um advogado em início de carreira, cheio de vontade de ajudar o seu amigo a endireitar a sua vida, consegue mantê-lo fora da prisão, mas, com um valente “senão”. Para escapar ao encarceramento, Milann deve realizar 300 horas de serviço comunitário na casa de repouso Les Mimosas, onde deverá auxiliar o pessoal em todas as tarefas, quer seja como cuidador ou empregado de limpeza. No entanto, a relutância de Milann em conviver com idosos e a sua inclinação para se envolver em encrencas, prometem levantar obstáculos, porém, o que Milann não sabe é que vai encontrar um calor humano francamente incomum nestes pensionistas insuspeitos…


Em “Casa de Repouso”, o realizador Thomas Gilou, consegue o impossível. Por um lado, encena uma comédia verdadeiramente hilariante, constantemente, introduzindo novas (e inspiradíssimas) peripécias, capazes de convencer um falecido a esboçar um sorriso. Por outro, os seus acontecimentos remetem para problemas que reconhecemos como sendo “dos nossos tempos”. Este é, afinal, um conto comovente e redentor sobre a marginalização, a solidão e o abandono, que recupera a máxima de muito cinema pós-pandémico: “não podemos viver sozinhos”. “Casa de Repouso” serve de exemplo de que é mesmo possível fazer humor com temas sérios. Na volta, talvez, até seja a forma mais sábia de os abordar…

Para tal, muito contribui um elenco de luxo, capitaneado pelo comediante Kev Adams, que também é produtor e coargumentista, onde encontramos uma extensa lista de gente que vem de tempos imemoriais da história do cinema falado em francês, de Mylène Demongeot a Jean-Luc Bideu, passando por Liliane Rovère e Daniel Prévost, sem esquecer o exímio Gérard Depardieu, a substituir Jean-Paul Belmondo, já demasiado incapacitado para assumir este papel de um pugilista esquecido, que aceitará tornar-se no mentor do herói errante personificado por Adams.

Em França, convenceu mais 2 milhões de espetadores a dirigir-se em salas, merecido, muito merecido, esperemos que em Portugal também existam pessoas disponíveis a visitar estes velhotes…

★ ★ ★ ★ ★
Texto de Miguel Anjos

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