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Crítica: "Peregrinação", de João Botelho



Botelho permanece interessado em converter obras literárias clássicas, em filmes, que não se resumam às mais banais convenções televisivas. E, nesse sentido, importará mencionar que essas ambições, por mais honrosas que sejam, ainda não se tinham materializado num objeto cinematográfico, que lhes correspondesse. Isto, até agora, porque esta transposição do emblemático livro de viagens de Fernão Mendes Pinto, é um belíssimo acontecimento, que filma a odisseia do escritor, como uma interminável e melancólica procura do infinito, por um homem, que enfrentou inúmeros e inimagináveis ameaças, para alcançar o “reino dos céus” e, sobreviveu para contar as suas aventuras. Haveriam muitas formas de encenar os pequenos contos, que compõem este elegante e eloquente diário de viagens e, Botelho também ele combatendo adversidades múltiplas (como a óbvia necessidade de condensar os escritos de Fernão Mendes Pinto nuns económicos 110 minutos ou, a falta de dinheiro, para certas sequências mais custosas), escolheu compor uma longa-metragem, que “rima” com o seu protagonista e, aquela sua ambição constantemente desmesurada. Assim sendo, “Peregrinação” não é um filme perfeito, no entanto, possui uma “vontade de cinema” que comove, desdobrando-se entre o filme de aventuras clássico, a epopeia musical e, o drama melancólico, ainda que ocasionalmente irónico. Pensemos em Manoel de Oliveira, Demy ou Ford, cruzemo-los todos e, talvez, fiquemos perto desta curiosíssima experiência.


Realização: João Botelho
Argumento: João Botelho
Género: Drama

Duração: 110 minutos

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