"Coexistir não é Fácil", de Fabrice Éboué
Aquando do lançamento de "Happy End" e "A Ciambra" (ambos ainda em cartaz), falávamos acerca de
um aparente "movimento", digamos assim, emergente na cinematografia
europeia em explorar os temas mais complexos e marcantes do atual panorama sociopolítico.
Ou seja, filmar não aquilo nos une, mas, o que nos separa. Em "Happy End" era a classe, o dinheiro (em contraponto, tudo acontecia em Calais,
zona conhecida pelo elevado fluxo de refugiados). A tragédia de três gerações
de uma família burguesa, que perdera a capacidade de comunicar. Em "A Ciambra", mergulhávamos numa Calábria infernal, onde pairavam os fantasmas
da raça (de um lado, os ciganos, de outro, os africanos, no meio a máfia local
que usava e abusava de ambas as fações). Era um conto de monumental tristeza,
que nos conduzia até um submundo, onde a vida era pré-definida à nascença, e os
sonhos implacável e prontamente seriam sempre surripiados.
Em "Coexistir não é Fácil",
convenhamos, a situação altera-se, porém, a mensagem permanece. Já não estamos
no realismo contundente e melancólico de Haneke e Carpignano, mas sim num
registo cómico assumidamente popular, a trazer mesmo à memória alguns títulos
antigos de Gérard Oury (aliás, diretamente referenciado no filme, quando uma
das personagens discorre acerca do seu amor incondicional pelas "Aventuras do Rabino Jacob") e, ainda assim, voltamos às grandes temáticas, neste
caso: a religião, e a maneira como uma sociedade contemporânea (como a
francesa) lida com o multiculturalismo.
Tudo começa de maneira quase anedótica. Há um
produtor musical (Fabrice Éboué, também cineasta e argumentista), que não tem
um único êxito à alguns anos e, por conseguinte, é forçado a aceitar uma
proposta demasiado ambiciosa para manter o seu emprego: esgotar o Olympia. E
eis que do mais abundante desespero, nasce um conceito, reunir um padre
(Guillaume de Tonquédec), um rabino (Jonathan Cohen) e um imã (Ramzy Bedia), e
colocá-los no palco a interpretar versões renovadas de clássicos da chanson française.
Acontece que os três admiram a ideia (ou
melhor, dois deles apreciam-na, e o outro necessita do dinheiro que dela pode
extrair), no entanto, são separados, não só por questões de fé, como também por
constantes tensões, que os conduzem às pontuais e sempre espirituosas
discussões, que compõem o filme. Afinal, entre as suas religiões existem ainda
muitas feridas abertas, que Éboué sabiamente transforma em matéria prima para
boa comédia, expondo e desmontando preconceitos e estereótipos com charme,
eloquência, e sem uma ponta de mau gosto.
Claro está, no entanto, que não possui o
mesmo fôlego quase épico dos títulos mencionados no princípio do texto
(particularmente, "Happy End" que pode muito bem ser o melhor e mais
desencantado título da longa filmografia de veterano Haneke), contudo, funciona
de maneira notável como um contraponto gentilmente ligeiro, que na sua tremenda
simpatia e simplicidade (não confundir com simplismo), continua a evidenciar
esse pensamento muito europeu de refletir acerca das temáticas mais
controversas (de quebrar tabus), através de perspetivas singulares. E seja o
melodrama familiar, a etnografia ou à comédia mainstream à antiga, é bom puder
fugir do calor avassalador da estação, e encontrar na sala de cinema mais
próxima, filmes interessados em começar um diálogo com a sociedade que os
rodeia.
Realização: Fabrice Éboué
Argumento: Fabrice Éboué
Comentários
Enviar um comentário