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"Juliet, Nua", de Jesse Peretz


Quando uma comédia romântica funciona mesmo muito bem, dão-se dois acontecimentos intrinsecamente interligados. Primeiro, começamos a acreditar nas personagens em causa, e a reconhecermo-nos nelas. Segundo, os apontamentos humorísticos convencem-nos tão bem do ambiente de aparente ligeireza, que somos completamente surpreendidos, quando a narrativa nos confronta com temáticas sérias. Felizmente, “Juliet, Nua” constitui mesmo um desses pequenos milagres. Um olhar, simultaneamente, melancólico e hilariante sobre um trio de indivíduos, que tentam encontrar o melhor caminho possível para a felicidade, dentro das situações francamente complexas, que os “assombram”.



Resumindo de maneira necessariamente esquemática, esta é a história de Annie (a sempre confiável Rose Byrne), uma mulher de meia-idade, oriunda de uma pequena vila britânica, daquelas onde nunca nada parece acontecer, que namora com o intelectual Duncan (Chris O’Dowd), um professor na faculdade local, com uma aversão a crianças (anulando o sonho de Annie, de ser mãe), e uma obsessão incompreensível por um músico americano, que só gravou um álbum nos anos 90, e depois desapareceu, chamado Tucker Crowe (Ethan Hawke, numa personagem que adquire contornos curiosos da filmografia de um ator, que é também um ícone do cinema americano do final do século XX). Para ambos, o dia de hoje, nunca é muito nunca é muito mais do que uma mera cópia de ontem, contudo, a situação altera-se quando Duncan recebe uma nova demo de Tucker Crowe, que acaba por desencadear uma série de eventos imprevisíveis.


Jesse Peretz, que é um melómano confesso (chegou mesmo a ter uma banda) e um cineasta de muitas e boas comédias (como “O Ex” e “O Idiota do Nosso Irmão”), concebeu aqui um belíssimo feel good movie, simultaneamente, hilariante e melancólico, sobre obsessões quotidianas e arrependimentos, que se recusa a transformar as suas personagens em clicés, mantendo-as constantemente reais e humanas, sem nunca necessitar de perder a piada por causa disso, aliás, um bom exemplo disso é mesmo a forma como filme satiriza os nerds da cultura pop de maneira certeira, e nada boçal ou redundante. Enfim, um delicioso bombom, para acabar o verão em beleza.


Realização: Jesse Peretz


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