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Crítica: "Mandy", de Panos Cosmatos


O mundo é cruel. Como tal, Red (Nicolas Cage) e Mandy (Andrea Riseborough) escolheram escapar às suas garras ímpias, e encontrar refúgio nos recantos mais bucólicos dos EUA, mais precisamente, nas profundezas de uma floresta, situada numa área apelidada de The Shadow Mountains, onde ele trabalha como lenhador, e ela desempenha funções de balconista, numa estação de serviço permanentemente deserta. Acompanhados apenas pelo ruído dos (já lendários) anúncios publicitários, e pelos livros de fantasia que compõem a biblioteca dela, os dois construíram um paraíso apenas seu, que o público vai experienciando como um delírio onírico, lírico e vagamente psicotrópico.


No entanto, esse Éden terreno é corrompido, quando Jeremiah Sand (Linus Roache), um cantor de música folk fracassado (editou apenas um álbum), reconvertido em pretenso messias, e os seus seguidores (um bando de saloios, e um trio de motoqueiros demoníacos), assassinam Mandy num ritual macabro, e abandonam um Red ensanguentado para morrer. A partir daí, o protagonista reúne um imponente arsenal (onde constam, a título de exemplo, uma besta e um machado artesanal), de maneira, a melhor reduzir os homicidas a polpa de tomate, e Cosmatos afasta-se da ambiência grácil e romântica da primeira metade, e abraça o caos desenfreado que não demorará a começar.


Narrativamente falando, “Mandy” não corresponderá exatamente a uma inovação, no entanto, também aí lhe reconhecemos um imenso brilhantismo, uma vez que, para o cineasta o importante não é a história que há para contar, mas sim a forma como a mesma nos é transmitida e, consequentemente, Cosmatos em estrita colaboração com o diretor de fotografia Benjamin Loeb, “pinta” cada plano como um hipnótico quadro de cores florescentes, que aproximam o todo mais de uma atmosfera de sonho/pesadelo que de uma narrativa normal. Tudo isto, claro está, auxiliado por uma enorme interpretação expressionista de Nicolas Cage.



Realização: Panos Cosmatos


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