"A Ciambra", de Jonas Carpignano
Jonas Carpignano nasceu em Nova Iorque,
e a sua existência faz-se entre os EUA e Itália. Foi acolhido por Sundance, e
reputados autores como Chris Columbus e Martin Scorsese, não ocultaram o
tremendo fascínio que o seu trabalho desencadeou neles (o último assume mesmo
funções de produtor executivo aqui). No entanto, o mesmo permanece interessado
em negar ofertas de Hollywood, para continuar a fazer um cinema etnográfico,
não alinhado nas atuais tendências supostamente "modernas", e mantendo-se antes
apostado num realismo social, eminentemente humanista, que procura retratar o
quotidiano de comunidades fechadas sobre si mesmas. De entrar em universos
desconhecidos, sem preconceitos, nem julgamentos.
Na
primeira longa-metragem, “Mediterrânea”,
encontrávamos Abas (Alassane Sy) e Ayia (Koudous Seihon), uma dupla de
refugiados do Burkina Faso, que procuravam um a vida melhor em Itália. Em “A Ciambra”, retomamos o cenário
calabrês a que esse filme eventualmente chegava, e lá conhecemos Pio (Pio
Amato), um adolescente que vive numa pequena comunidade cigana. Aos 14 anos,
fuma, bebe, e conta-se entre os poucos que ainda conseguem deslizar facilmente
entre as fações locais, nomeadamente, os ciganos como ele, os refugiados
africanos, e os habitantes locais italianos (onde se sente o peso da máfia).
Diariamente, Pio segue o irmão Cosimo (Damiano Amato) para todo o lado, de modo
a aprender as competências necessárias para viver naquelas ruas. Porém, quando
Cosimo e o seu pai são presos, Pio convence-se que necessita de se tornar num “homem”,
seguindo as pegadas criminosas do irmão, e assumindo a função de ganha-pão da
numerosa família.
Encontrando as suas raízes simbólicas
no cinema de autores como Roberto Rossellini (19 06-1977) ou Vittorio De Sica (1901-1974),
Carpignano encena a odisseia, dir-se-ia, quase épica de um jovem dividido entre
a afirmação individual e as forças insidiosas da tradição, a culminar numa reta
final tão melancólica como operática, que comove genuinamente, sem concessões
sentimentais ou moralizantes (o filme não perdoa as personagens pelos crimes
que vão cometendo, limitando-se somente a retratá-los com da maneira mais
autentica possível). Posto isto, por mais que o cineasta ambicione escapar aos
lugares mais comuns da sociologia neste estilo de obras, procurando uma
abordagem mais intimista (que, note-se funciona particularmente bem, devido às
composições intrincadas de Pio Amato e Koudous Seihon), “A Ciambra” não deixa
de ser um olhar contundente e bastante informativo sobre duas comunidades (a
cigana e a africana), que tentam coexistir numa zona de muitos conflitos e
preconceitos (especialmente, raciais). Afinal, porque não aproveitar o parentesco
com Martin Scorsese, e dizer que este é mesmo um equivalente bucólico do seu “Tudo Bons Rapazes”. Uma crónica de crescimento, que abarca temáticas universais, sem
nunca abandonar o território de uma especificidade que o coloca no mundo do cinema de gangsters. A certo ponto, o avô do
protagonista comunica-lhe uma mensagem tão importante como destrutiva,
dizendo-lhe que existem “eles” e “nós”, todos têm uma posição, e é imperativo
conhece-la. Nesse sentido, o tristíssimo plano final quase parece sugerir uma
componente de terror, como o destino estivesse sempre traçado, e fosse impossível
criar laços genuinamente humanos com alguém que não pertença à nossa “fação”. Numa
época tipicamente associada ao entretenimento escapista (o verão), o cinema
europeu continua interessado em tocar nas chamadas “grandes questões”.
Realização: Jonas Carpignano
Argumento: Jonas Carpignano
Elenco: Pio Amato, Koudous Seihon, Damiano Amato
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