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"Corredor Assombrado", de Rodrigo Cortés


Rodrigo Cortés continua a evocar as matrizes dos seus autores prediletos para contar histórias, que lhe são muito pessoais. Em “Enterrado”, concebeu um thriller digno de Alfred Hitchcock, sem nunca abandonar o perímetro de um caixão. Já “Red Lights: Mentes Poderosas”, seguia o caminho de M. Night Shyamalan (particularmente, de “O Protegido”), numa narrativa que desmontava todos e quaisquer clichés, pautando-se sempre pelo inesperado. Agora, com “Corredor Assombrado”, rumamos aos recantos mais lúgubres da filmografia do seu conterrâneo Alejandro Aménabar (pensamos em “Os Outros” ou “Regressão”), numa experiência que procura aproximar-se dos artifícios da fábula, por via do terror.


A história acompanha Kit (AnnaSophia Robb), uma adolescente problemática, que nunca aceitou o falecimento prematuro do pai. Desesperada com o temperamento progressivamente mais agressivo da filha, a mãe aceita o conselho da psiquiatra escolar, e conclui que a melhor opção é inscrevê-la num afamado colégio interno, chamado Blackwood. Uma instituição antiquada, que se orgulha de tornar jovens rebeldes, em cidadãs cumpridoras. No entanto, imediatamente entendemos que algo estranho se passa entre aquelas paredes: do corpo estudantil anormalmente reduzido (apenas 6 alunas), às regras francamente desconcertantes da diretora, Madame Duret (Uma Thurman). Paira sobre aquela academia um ar de infortúnio e morte.


A câmara move-se com agilidade e opulência, e o elenco é primoroso, contudo, o que nos espanta mais em “Corredor Assombrado”, é mesmo a maneira como o argumento consegue construir ilusões (qualidade que já reconhecíamos em “Red Lights”). Ou seja, enraizar a narrativa num determinado género, de forma tão concreta e portentosa, que é necessário enveredar por caminhos subversivos. Neste caso, Cortés limita-se a utilizar elementos de um terror antiquado, para nos fazer pensar que estamos a ver uma revisão dos códigos de obras como “The Quiet Ones” ou “The Conjuring” (e, se quisermos vê-lo unicamente como isso, também podemos, note-se), quando, na verdade, estamos no território redentor da fábula, permitindo-lhe, assim, encenar este conto de muitos fantasmas e arrependimentos, como um intrincado rito de passagem. Entre a juventude e a idade adulta. Entre a vida e a morte.


Realização: Rodrigo Cortés


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