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"O Caso Collini", de Marco Kreuzpaintner



É bem verdade que, nos mais diversos contextos de produção, a Segunda Guerra Mundial tem sido objeto de muitas e variadas revisitações. Este filme alemão será, por certo, um dos exemplos mais extremos, e também mais fascinantes, de tal processo. Porquê? Pois bem, porque o cineasta Marco Kreuzpaintner escolheu não encenar eventos situados durante esse período, mas sim compor uma narrativa que venha expor a herança desses tempos dantescos. Assim, acompanhamos a odisseia se Caspar Leinen (Elyas M'Barek). Um jovem e pouco experiente advogado que é incumbido de defender Fabrizio Collini (Franco Nero), um cidadão italiano, que assassinou um reputado industrial alemão a sangue frio. Ninguém entende o porquê desse ato tão violento, no entanto, a investigação de Leinen vai conduzi-lo a um labirinto de memórias de um passado em que ele próprio desempenhou um incauto papel... Adiantar mais detalhes sobre o desenvolvimento das peripécias seria pecaminoso, como tal, importa que nos mantenhamos focados no essencial. Isto é, ao analisar a influência dos ideais nazis no funcionamento de alguns aspetos da sociedade alemã por via dos preceitos do chamado filme de tribunal, Kreuzpaintner compõe um comovente libelo pela justiça que não tem medo de dialogar com as memórias mais lancinantes daquela nação, tendo a ousadia de colocar o dedo em feridas que nunca conseguirão sarar completamente, em parte, porque como demonstram histórias como esta, é importante que continuem a doer, para que nunca nos esqueçamos do horror.


Texto de Miguel Anjos

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