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 "Regresso a Itália", de James D'Arcy


“Busca Implacável” auxiliou Liam Neeson a reinventar-se como protagonista de thrillers de ação. Desde então, já o vimos a dispensar pancadaria em mafiosos (“Noite em Fuga”), terroristas (“Non-Stop”), assassinos em série (“O Caminho Entre o Bem e o Mal”) e até lobos esfomeados (“The Grey – A Presa”). No entanto, às vezes, essa oferta pode conduzir o público a esquecer que os talentos de Neeson vai muito além da capacidade de nos convencer que um homem de 68 anos seria capaz de derrotar qualquer adversário (o que, convenhamos, já é mesmo uma proeza impressionante). Exemplo modelar disso mesmo é “Regresso a Itália”, primeira longa-metragem do também ator James D'Arcy enquanto realizador, em que Neeson encarna um pintor boémio que regressa a Itália com o filho, Jack (Micheál Richardson), de quem se distanciara, com o objetivo de vender rapidamente a casa que herdaram da falecida esposa deste. Mas nenhum estava preparado para encontrar a outrora bela propriedade num estado de absoluto abandono. Nenhum deles se destaca pelas capacidades de bricolage, o que os conduz a requisitar o auxilio dos habitantes locais para restaurar a villa, sem que se apercebam que, no processo, se encontram também a reparar a sua relação. Obviamente, “Regresso a Itália” atrairá sempre olhares principalmente com as suas semelhanças com a realidade. Tal como a personagem que interpreta, Liam Neeson ficou viúvo em 2009 e Micheál Richardson é, de facto, seu filho. Esse factoide providencia alguma curiosidade adicional ao filme, contudo, “Regresso a Itália” possui méritos suficientes para ir além dela. Essencialmente, D'Arcy conseguiu compor um melodrama de recorte clássico, apoiado num argumento que pontua a tristeza com o humor com uma sapiência admirável. Uma pequena e adorável surpresa que não merece passar ao lado neste período de reabertura e relançamento das salas de cinema.
Texto de Miguel Anjos

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