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"O Ninho", de Sean Durkin



Foram precisos 9 anos, com uma minissérie pelo meio (“Southcliffe”), para Sean Durkin assinar a sua segunda longa-metragem depois do sucesso que foi “Martha Marcy May Marlene”. Tal como nesse filme, onde seguíamos uma jovem após uma traumática experiência num culto, Durkin usa muitas das técnicas que associamos ao cinema de terror para mostrar a decadência uma célula familiar aparentemente idílica, mantendo o público sempre com uma sensação iminente de tragédia. Rory O’Hara (Jude Law) é um banqueiro que arrasta a esposa americana (Carrie Coon) e dois filhos para Inglaterra após conseguir um emprego. Vivendo o sonho americano no Reino Unido, adquire uma mansão no Surrey, que claramente parece ser demasiado para o seu bolso. 

Estamos nos anos 80, o tempo dos Yuppies popularizados literária e cinematograficamente pelo Patrick Bateman de “American Psycho”, e Rory (como confessa a um taxista no terceiro ato) finge ser rico, levando uma vida que claramente não pode pagar, de modo a alimentar um ego magoado por traumas de infância. Durkin que encontrou em “A Semente do Diabo” e “Shining” como alicerces do ambiente de suspense e terror com que carimba “O Ninho” (o título é assumidamente irónico), trabalha de maneira a incluir detalhes meticulosos dos anos 80 numa mansão do século XV, produzindo uma estranheza que nunca se entranha e juntamente com o tom frio e austero ajuda a compor um thriller psicológico pungente e absorvente, cujas armas centrais são as composições repletas de subtis nuances de Law e Coon e a fotografia telúrica de Mátyás Erdély, aqui a enquadrar belissimamente esta história que ilustra como os enganos, manipulações e frustrações podem corroer até os laços mais ancestrais.

Texto de Miguel Anjos

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