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CRÍTICA - "O MEU PAI É UM PERIGO"


Sebastian Maniscalco é um dos comediantes norte-americanos mais populares da contemporaneidade. Em Portugal, conhecemo-lo apenas como uma personagem secundária em títulos como "Green Book - Um Guia Para a Vida""O Irlandês" ou "Super Mario Bros. - O Filme", sendo "O Meu Pai é um Perigo" a nossa primeira oportunidade de entrar em contacto com a faceta cómica que lhe tem permitido esgotar arenas de norte a sul nos EUA.

À semelhança do seu stand up, Maniscalco, que é descendente de imigrantes sicilianos, encontra nas especificidades da comunidade italo-americana o motor humorístico desta fita de inspiração autobiográfica, em que o comediante nos conta como correu o primeiro embate entre o seu pai, Salvo (Robert De Niro), um cabeleireiro, tremendamente orgulhoso das suas origens humildes, e os sogros (David Rasche e Kim Cattrall), financeiramente abastados e politicamente conservadores.


Segue-se uma comédia de usos e costumes, mais próxima do cinema de Dany Boon (que, entre "Bem-Vindo ao Norte""Nada a Declarar" e "A Minha Família do Norte" se estabeleceu como o cronista dos choques entre ambientes citadinos e rurais na França atual) ou Philippe de Chauveron (autor da franquia "Que Mal Fiz Eu a Deus?"), que das comédias a que Hollywood nos tem habituado ultimamente, explorando as potencialidades humorísticas do confronto entre duas culturas em tudo opostas, num registo despretensioso e assumidamente popular de um suculento "naco" de entretenimento ligeiro, que só quer mesmo provocar muitas e sonoras gargalhadas.

Pelo meio, há elementos passivos de serem "intelectualizados" (num momento em que as tensões esquerda/direita atingem níveis alarmantes é, no mínimo, curioso ver alguém como Robert De Niro, que não se tem coibido de cultivar uma persona política "sem papas na língua", dir-se-ia, militantemente ligado à esquerda, a estabelecer um entendimento amistoso com uma populista de direita, como é a personagem de Cattrall), mas, não sendo inconsequentes, são apenas detalhes, no contexto lúdico e escapista de um filme simpatiquíssimo que só procura mesmo colocar-nos um sorriso na cara.

Tarefa cumprida, especialmente, devido à entrega de Maniscalco e De Niro, cuja cumplicidade brincalhona chega a impressionar. Aliás, se é um facto que "O Meu Pai é um Perigo" foi concebido como um veículo para potenciar o estrelato de Sebastian, não é menos verdade que a sua disposição jovial, esconde uma homenagem bastante cândida (até "sentimental") ao Maniscalco sénior e, consequentemente, a todos os imigrantes italianos que abandonaram as suas raízes em busca de uma vida melhor para si e, principalmente, para os seus.

★ ★ ★ ★ ★
Texto de Miguel Anjos

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