Avançar para o conteúdo principal
Crítica: Terra Chama Echo (Earth To Echo), de Dave Green


Ainda no outro dia escrevia na minha crítica ao filme "Nunca Digas Nunca", que a indústria americana (falo principalmente dos grandes estúdios) mudou drasticamente nos últimos anos, e a verdade é que se de certa forma essa mudança teve alguns efeitos positivos, é importante também notar que acabou por criar um fosso demasiado grande entre grandes blockbusters criados maioritariamente com o objetivo de criar franchises e tudo o resto, que de certa forma parece ter sido "empurrado" para as periferias (pequenos estúdios, ou o cinema independente), com alguns géneros a caírem mesmo no desuso, entre eles, o cinema familiar (e atenção que não falo aqui de cinema de animação, mas sim de fitas de imagem real). O que acaba por ser algo triste, porque se perdermos alguns minutos a analisar os últimos lançamentos comerciais rapidamente conseguimos reparar que em quatro anos (desde  2010) recebemos por cá cerca de 6 ou 7 obras que se inserem nesse género, e a maioria acabava por consistir em películas fracas, demasiado infantis para serem divertidas para um público mais velho (e quando digo mais velho, não falo unicamente de adultos, já só menciono adolescentes aqui), com argumentos ridículos, e personagens demasiado exageradas, com as quais é impossível criar qualquer tipo de relação, o que é especialmente deprimente, considerando que estamos a falar de um género que nos trouxe obras tão memoráveis como "ET O Extraterrestre" ou "Os Goonies". E como tal, o lançamento (tímido e desprovido de qualquer tipo de publicidade, e tal assunto será discutido numa nota presente no final do texto) deste "delicioso" "Terra Chama Echo", um filme que é, na falta de um melhor termo para o descrever, verdadeiramente mágico, com o cineasta Dave Green aqui a misturar algumas fórmulas clássicas do género (notam-se aqui influências dos já mencionados "ET" e "Os Goonies")  com alguns elementos marcadamente modernos (o found footage, e um estilo narrativo a dar primazia às suas personagens, algo muito comum hoje em dia no cinema indie americano), criando assim uma obra profundamente encantadora, terna, e acima de tudo sempre comovente, acabando em última instância por servir duas das funções mais básicas da sétima arte: fazer-nos sonhar e tocar os nossos corações no processo.
E para Green todo este processo começa na exemplar criação das suas personagens, o cineasta sabe perfeitamente que só porque se está a contar uma história que tem como objetivo chegar a gente de todas as idades, tal não é razão para infantilizar as situações, e dessa forma idealizá-las de modo a não entristecer ninguém, aliás este "Terra Chama Echo" é para além de uma aventura de fição científica, um profundo drama sobre relações interpessoais, sobre o crescimento, sobre a amizade, e sobre o abandono, e para isso o cineasta conta com a ajuda de um elenco jovem surpreendentemente talentoso, é impossível não sofrermos com estas personagens, não sentirmos o medo de Alex de ser abandonado, ou as dificuldades sentidas por Munch na sua integração no mundo que o rodeia, isto porque com este argumento, estas personagens, e este realizador, estes sentimentos não estão apenas ali no ecrã, estão no ar que respiramos dentro da sala, são completamente tangíveis digamos assim.
Além disso, Green dirige toda a sua obra com um sentimento de nostalgia desde aqueles primeiros minutos, como se esta fosse de facto a sua história e ele estivesse simplesmente ali a partilhar connosco espetadores um momento marcante da sua infância.
E no todo "Terra Chama Echo" é um filme divertido, terno, e comovente, que nos prende e nos toca desde o início ao fim, e no final simplesmente sai da sala connosco no nosso coração, faz-nos rir, faz-nos chorar, e faz-nos sonhar, e isso é muito bonito.
10/10
Nota: Sinto-me obrigado a deixar aqui esta nota simplesmente porque acho indesculpável, que um filme deste calibre seja assim "despejado" em poucas salas e sem qualquer campanha publicitária, enquanto a distribuidora gasta tempo e dinheiro a lançar e promover obras menores, sem qualidade ou futuro nas salas, a título de exemplo relembremos um grande número de flops como "Grace Do Mónaco", "Paixões Unidas", "Max Magilika", ou "I Love Kuduro" (a ser lançado em breve, é impossível não notar o aspeto absolutamente horripilante desta obra), enquanto filmes como este são assim condenados a terem lançamentos invisíveis, ou pior obras como "Lixo" e "Os Profs" que são adiadas infinitamente até um eventual lançamento tardio e tímido (lembremo-nos do excelente "Centurião" obra de 2010 que por cá tinha estreia marcada para 2012, e acabou por só ser lançada em Maio de 2014). Pela internet existem analistas (sem ofensa, fracos) que culpam algumas quedas recentes nas bilheteiras com o argumento da crise, mas o que se passa é que isso não é de todo verdade (até porque 2014 tem sido um bom ano nas bilheteiras portuguesas, bem acima de 2012 a título de exemplo), isto porque quando as obras são do seu interesse o público desloca-se ás salas, exemplos recentes incluem "Sex Tape", "O Gangue Do Parque", "Noé", ou até o surpreendente e retumbante sucesso da "A Gaiola Dourada" no passado ano. Porém enquanto títulos de fim de catálogo como alguns dos acima referidos continuarem a ocupar ecrãs ao invés de obras com potencial como esta, os exibidores vão perdendo dinheiro que poderiam estar a ganhar.

Comentários

  1. Concordo plenamente, "Terra Chama Echo" é um filme divertido e tocante, perfeito para qualquer idade. Aborda temas sérios e intemporais, como a amizade, a família, a integração na escola, entre outros, levando-nos a refletir, mas também a sonhar. No meu caso, este filme fez-me relembrar com nostalgia outro muito mais antigo, mas igualmente enternecedor, estou a falar de "ET o extraterrestre". É, no entanto, de lamentar profundamente que "Terra Chama Echo" tenha tido uma fraca distribuição nas salas de cinema e não tenha sido feita publicidade ao mesmo. Apesar de ser uma autêntica pérola irá certamente passar despercebido à maior parte do público. É pena!

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

CRÍTICA - "THE APPRENTICE - A HISTÓRIA DE TRUMP"

"The Apprentice", em Portugal, acompanhado pelo subtítulo "A História de Trump", tornou-se num dos filmes mais mediáticos do ano antes de ser revelado ao público, em maio, no Festival de Cannes, "poiso" habitual do seu autor, o iraniano-sueco-dinamarquês Ali Abbasi. De facto, os tabloides tiveram muito por onde pegar, houve um apoiante de Donald Trump que, inconscientemente, terá sido um dos financiadores de "The Apprentice" (só podemos especular que terá assumido que o filme se tratava de uma hagiografia, de pendor propagandístico), a campanha de boicote que Trump e a sua comitiva lançaram contra o filme, a dificuldade de encontrar um distribuidor no mercado norte-americano (nenhum estúdio quer ter um possível Presidente como inimigo), etc. A polémica vale o que vale (nada), ainda que, inevitavelmente, contribua para providenciar um ar de choque a "The Apprentice", afinal, como exclamam (corretamente) muitos dos materiais promocionais ...

"Flow - À Deriva" ("Straume"), de Gints Zilbalodis

Não devemos ter medo de exaltar aquilo que nos parece "personificar", por assim dizer, um ideal de perfeição. Consequentemente, proclamo-o, sem medos, sem pudores, "Flow - À Deriva", do letão Gints Zilbalodis é um dos melhores filmes do século XXI. Um acontecimento estarrecedor, daqueles que além de anunciar um novo autor, nos providencia a oportunidade rara, raríssima de experienciar "cinema puro". O conceito é simultaneamente simples e complexo. Essencialmente, entramos num mundo que pode ou não ser o nosso, onde encontramos apenas natureza, há resquícios do que pode, eventualmente, ter sido intervenção humana, mas, permanecem esquecidos, abandonados, nalguns casos, até consumidos pela vegetação. Um dia, um gato, solitário por natureza, é confrontado com um horripilante dilúvio e, para sobreviver, necessita de se unir a uma capivara, um lémure-de-cauda-anelada e um cão. Segue-se uma odisseia épica, sem diálogos, onde somos convidados (os dissidentes, cas...

"Oh, Canada", de Paul Schrader

Contemporâneo de Martin Scorsese, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola, Paul Schrader nunca conquistou o estatuto de "popularidade" de nenhum desses gigantes... e, no entanto (ou, se calhar, por consequência de), é, inquestionavelmente, o mais destemido. Em 1997, "Confrontação", a sua 12ª longa-metragem, tornou-se num pequeno sucesso, até proporcionou um Óscar ao, entretanto, falecido James Coburn. Acontece que, o mediatismo não o deslumbrou, pelo contrário, Schrader tornou-se num cineasta marginal, aberto às mais radicais experiências (a título de exemplo, mencionemos "Vale do Pecado", com Lindsay Lohan e James Deen). Uma das personas mais fascinantes do panorama cultural norte-americano, parecia ter escolhido uma espécie de exílio, até que, "No Coração da Escuridão", de 2017, o reconciliou com o público. Aliás, o filme representou o início de uma espécie de trilogia, completada por "The Card Counter: O Jogador", em 2021, e "O ...