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Espaço TV

Crítica (TV): "True Detective" (2ª Temporada), de Nic Pizzolatto


Criador: Nic Pizzolatto
Realização: Justin Lin (Episódio 1: "The Western Book of the Dead"; Episódio 2: "Night Finds You"), Janus Metz Pedersen (Episódio 3: "Maybe Tomorrow"), Jeremy Podeswa (Episódio 4: "Down Will Come"), John Crowley (Episódio 5: "Other Lives"; Episódio 8: "Omega Station"), Miguel Sapochnik (Episódio 6: "Church in Ruins"), Daniel Attias (Episódio 7: "Black Maps and Motel Rooms")
Argumento: Nic Pizzolatto
Elenco: Colin Farrell, Rachel McAdams, Vince Vaughn, Taylor KitschKelly ReillyDavid MorseLeven RambinW. Earl BrownRick Springfield
Género: Drama, Thriller, Mistério
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Séries em formato de antologia são arriscadas por natureza. A primeira temporada estabelece sempre um certo tom e o espetador, naturalmente, acaba sempre por ficar à espera de mais do mesmo nas temporadas que se seguem, mesmo sabendo à partida que irá acompanhar uma história diferente com novas personagens. O que pode ser perigoso, muito perigoso...

Em 2014, o romancista norte-americano Nic Pizzolatto (naquele que foi o seu primeiro trabalho original para TV) e a HBO, surpreenderam o mundo com "True Detective" uma enigmática antologia policial, de tom negro e sombrio, protagonizada por duas estrelas de "primeira grandeza": Matthew McConaughey e Woody Harrelson. Agora, Pizzolatto regressou aos nossos televisores com uma segunda temporada de excelência, que pede um espetador disposto a "esquecer" (digamos assim) aquilo que viu antes, de modo a descobrir uma história completamente diferente.



Esta nova temporada começa de forma lenta, mas nunca aborrecida, com um primeiro episódio (intitulado "The Western Book of the Dead") que serve para estabelecer as personagens que vamos seguir ao longo destes (magníficos) oito episódios: três agentes da autoridade e um criminoso, cujas vidas entram em "rota de colisão" devido à investigação do homícidio de Ben Casper, um gestor corrupto, encarregado de gerir a pequena cidade de Vinci, nas imediações de Los Angeles, numa altura em que decorrem negociações para dotar a Califórnia de um sistema de transportes alternativo às congestionadas auto-estradas.

Porém, importa referir que existe uma quinta personagem de enorme importâcia para a narrativa, e cuja presença se faz sentir ao longo de toda a história: a já referida cidade (fictícia) de Vinci, um aglomerado de habitações decadentes e  gente de moral duvidosa, onde impera a corrupção, funcionando assim como uma fascinante metáfora para a América capitalista dos nossos dias, onde quem manda é o dinheiro.



Há na escrita de Pizzolatto a noção muito clara de que, antes de qualquer execução técnica, importa criar um denso sistema de relações que envolvam personagens consistentes. Sendo que, tal como na temporada anterior, grande parte do mérito da série assenta na qualidade dos seus atores, e aqui (apesar do elenco ser uniformemente impecável) importa destacar um Colin Farrell em "estado de graça", naquela que fica para a história como uma das (senão mesmo a) grandes interpretações da sua carreira (e tendo em conta o impressionante currículo do ator irlandês é dizer muito). O seu Ray Velcoro é um anti-herói na verdadeira aceção do termo, errático, depressivo e propenso a atos de violência puramente irracionais, mas simultaneamente terno, justo e honrado. Em "True Detective", todos são assombrados pelos seus próprios "demónios" individuais, mas os de Ray perseguem-no para onde quer que vá e o seu caminho para a redenção será longo e penoso. Além dele, são também dignos de nota Taylor Kitsch, brilhante no papel de um homem encurralado dentro da sua própria consciência, Rachel McAdams, numa composição de invulgares nuances emocionais e Vince Vaughn, a provar a sua versatilidade  num raríssimo papel dramático (o seu monólogo no início do segundo episódio é, indiscutivelmente, um dos mais impressionantes momentos televisivos de 2015).



"True Detective" não é, de todo, uma série fácil de acompanhar (houve até, quem se queixasse que a intriga era "demasiado complexa", o que quer que isso signifique). Exige um espetador atento e interessado, que esteja disposto a mergulhar num universo obscuro, violento e perturbadoramente realista, onde não parece haver espaço para a redenção. Mas os fãs de narrativas densas e ambíguas, têm em mãos uma das mais gratificantes séries televisivas dos últimos anos.



P.S. Uma última nota para o genérico que mais uma vez volta a ser brilhante, com imagens cruzadas semelhantes às da primeira temporada, mas ao som da música "Nevermind", de Leonard Cohen, que acaba por funcionar como uma espécie de "sucessora espiritual" da canção que acompanhava o genérico da temporada anterior: "Far From Any Road", dos The Handsome Family. Ei-lo:



O Melhor: A escrita viciante de Pizzolatto e as interpretações do quarteto de protagonistas.

O Pior: Nada a apontar.


Classificação: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10
Texto de Miguel Anjos

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