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Cinema

Crítica: "Toni Erdmann", de Maren Ade


Título Original: "Toni Erdmann"
Realização: Maren Ade
Argumento: Maren Ade
Género: Comédia, Drama
Duração: 162 minutos
Distribuidor: Alambique
Classificação Etária: M/12
Data de Estreia (Portugal): 16/02/2017

Grande acontecimento cinematográfico desta temporada: Maren Ade, realizadora alemã que conhecemos através do belíssimo "Todos os Outros" (2009), retorna com o momento mais saliente da sua carreira e, também um dos filmes mais singulares que veremos neste ano. Chama-se "Toni Erdmann" e, conta a história deliciosamente caricata de um homem envelhecido, solitário e constantemente brincalhão (recorrendo a uma série de adereços, como uma grotesca dentadura postiça ou uma cabeleira bem vistosa para as partidas que prega), com um coração de ouro e boas intenções, que ruma até Bucareste na sequência do falecimento do seu cachorro, para mostrar à filha (que lá se encontra a trabalhar como consultora) que a vida não é só o trabalho. E, escusado será dizer que esta premissa podia ter redundado numa comédia banalmente caricatural (e, teremos um remake americano, onde os riscos de tal coisa são alarmantes), porém Ade apresenta-nos toda esta narrativa num desarmante registo meio melancólico, meio burlesco, que arranca muitas e sonoras gargalhas, um par de lágrimas e, no processo constrói um bonito conto sobre a libertação física e espiritual (a atingir o seu auge numa sequência cómica impagável no terceiro ato), que é também uma sátira implacável a uma sociedade onde os relacionamentos pessoais se passaram a pautar pelo seu valor material e, o progresso económico passou a ser mais importante do que as condições de vida das pessoas. É uma das mais hilariantes comédias dos últimos tempos, mas também é muito mais do que "apenas" isso e cinema assim tão desafiante e único não poderá nunca ser ignorado.

9/10
Texto de Miguel Anjos

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