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"Roda Gigante" ("Wonder Wheel"), de Woody Allen




Quem se lembra do cinema americano dos anos 50/60? De dramaturgos como Tennessee Williams, Eugene O'Neill ou Arthur Miller? Bom, nada mais, nada menos, que Woody Allen, cujo novo filme, poderá mesmo ser encarado como uma melancólica carta de amor à “idade de ouro” da escrita melodramática. Assim, viajamos precisamente até aos anos 50, em Coney Island, onde as imediações de um parque de diversões, se vão assumindo como palco para uma pequena tragédia familiar, entre os locais. Ginny é uma atriz frustradíssima, que trabalha numa marisqueira por um ordenado miserável, enquanto tenta educar o filho pirómano em construção e lida com o seu segundo marido, um operador de carrosséis e alcoólico em recuperação. A vida continua, sem nunca abandonar essa rotina boçal, até ao momento em que aparece em cena uma enteada, em fuga do mafioso com quem se casou… Assim, começa uma narrativa bem à moda antiga, onde Allen encena os cáusticos encontros e desencontros entre as suas personagens desesperadamente românticas (Kate Winslet, numa performance gloriosa, assume-se como uma justa descendente de Blance Dubois), cada uma em direção a uma confinada a uma destruição interior fatídica. Isto, embalado com aqueles saborosos diálogos que só o autor nova-iorquino consegue arquitetar, constantemente meticulosos e incisivos. Será mesmo caso para citar o inigualável John Waters, quando colocava “Roda Gigante” entre os seus 10 filmes favoritos de 2017, dizendo que “Mr. Allen nunca fez um mau filme e, este é um dos seus melhores”. Como é usual, tinha razão.


Realização: Woody Allen
Argumento: Woody Allen
Género: Drama
Duração: 101 minutos

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