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Crítica:

"The Florida Project"



Muito além de meras narrativas, os filmes de Sean Baker assumem-se como elucidadores guias ilustrados, de microcosmos muito particulares, sem condescendências, nem clichés. E, depois do muito aclamado “Tangerine” lhe abrir as portas para a indústria, o americano escolheu regressar aos seus pequenos contos, com uma vibração indie que apetece chamar de “artesanal”, de modo a encenar a contundente odisseia veranil de uma menina precoce. Chama-se Monee e, vive com a mãe e os amigos, num motel decrépito, a escassos passos do Walt Disney World, em Orlando, Florida. Assim, esta é a história desse curioso, poder-se-ia mesmo dizer, irónico cruzamento, entre um reino mágico de sonhos e, a brutalidade da vida quotidiana de quem “não tem onde cair morto”. Os nossos pequenos protagonistas sabem muito bem, que nunca conseguirão atravessar a rua e, visitar o parque de diversões em causa, como os milhares de turistas, com que se deparam constantemente. Da mesma maneira, que só muito dificilmente se livrarão de pedir dinheiro nas ruas e, operar os mais variados esquemas ilegais, para sobreviver. Porém, “The Florida Project” consegue nunca cair no miserabilismo, estruturando os acontecimentos quase como uma versão humanista e realista de um conto de fadas clássico, sobre uma princesa refém no seu próprio castelo (o nome do motel, onde todos residem, é mesmo Magic Castle).


Realização: Sean Baker
Género: Drama
Duração: 112 minutos

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