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Crítica:

"Wonderstruck: O Museu das Maravilhas"


Todd Haynes é um cineasta de outros tempos. Primeiro, porque sempre procurou conceber um cinema classicista, que homenageia e desconstrói os códigos criados por nomes emblemáticos como Douglas Sirk. Segundo, pois rigorosamente todas as suas longas-metragens à data, constituem metódicas reconstituições de épocas passadas. Ora, nesse sentido, “Wonderstruck: O Museu das Maravilhas”, baseado num romance homónimo de Brian Selznick, surgirá simultaneamente como uma fascinante continuação da sua anterior filmografia e, enquanto um estranhíssimo OVNI no interior da mesma. Afinal, Haynes que tanto gosta de questionar a moral e os preconceitos escondidos dos períodos temporais que filma, resolveu encenar algo completamente diferente: uma bonita fábula à moda antiga, sobre a odisseia de duas crianças surdas, separadas por meio século de existência. De forma a não revelar os muitos enigmas da própria história, digamos apenas que Haynes utiliza a surdez dos seus protagonistas como mote para nos levar numa viagem sensorial incomum, cruzando influências do cinema mudo e da animação stop motion (nos instantes finais, acompanhamos mesmo uma montagem animada que arrasadora como poucas), que resulta numa contundente experiência cinematográfica, onde coexiste o mais duro realismo e o artificio onírico dos sonhos.


Realização: Todd Haynes
Argumento: Brian Selznick
Género: Drama
Duração: 116 minutos

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