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Crítica:

"Lady Bird"


Presença instrumental no cinema de Noah Baumbach (protagonizou e coescreveu os seus dois melhores filmes) e, uma das principais impulsionadoras do movimento mumblecore, Greta Gerwig sempre procurou desenhar um percurso pessoal dentro de obras alheias. Ou seja, encenou os seus pequenos contos no interior das fitas dos outros. Com “Lady Bird”, a sua segunda longa-metragem enquanto cineasta (antes fez “Nights & Weekends”, numa parceria com Joe Swanberg), surgirá como uma sublimação dos temas que tem perseguido ao longo dos anos. O crescimento, a inocência perdida, a necessidade de aceitar medonhas responsabilidades, que previamente eram distantes, tudo cabe nos 94 minutos que captam de maneira resumida, mas detalhada, um ano na vida de uma adolescente de Sacramento, na Califórnia.


O seu nome é Christine McPherson (Saoirse Ronan), no entanto, prefere que a tratem por Lady Bird e ambiciona abandonar as fronteiras de Sacramento, sem nunca olhar para trás. Assim, acompanhamos o seu último ano de liceu, as suas múltiplas tentativas de encontrar amor e as constantes discussões com a mãe (Laurie Metcalf). E, sem que nos apercebamos disso, o que pensávamos ser um coming of age clássico vai-se transfigurando. Penetramos num microcosmos, meticulosamente estabelecido por um argumento rico em personagens belissimamente construídas e atmosferas intoxicantes.


Componentes que acabam por corresponder a um bonito quadro humanista, onde Gerwig sobre o pretexto de uma ligeira autobiografia se mostra capaz de encenar um labirinto de complexas interações, no qual todos os rostos carregam uma “vibração” muito específica. E, nesse sentido, importará louvar o trabalho dos atores, da eletrizante Saoirse Ronan à trágica Laurie Metcalf. Pequeno filme, grande cinema.



Realização: Greta Gerwig
Argumento: Greta Gerwig
Género: Drama
Duração: 94 minutos

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