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Crítica: "Godard, O Temível"

Como filmar Godard? Afinal, quando falamos do franco-suíço, evocamos mesmo o nome de um dos mais emblemáticos e influenciais autores de toda a história do cinema. Porém, importará não esquecer também, que o autor de clássicos intemporais como “O Desprezo” e “O Acossado”, é uma personalidade manifestamente controversa, que quase parece preferir existir à margem do mundo, mantendo um estatuto de quase reclusão, que contrasta, quase ironicamente, com a sua obsessão por um cinema pensativo, que existe como um reflexo melancólico sobre o nosso “aqui e agora”. Nesse sentido, torna-se impossível resistir aquilo que Hazanavicius nos propõe em “Godard, O Temível”, uma suculenta sátira centrada no casamento deste com Anne Wiazemsky, que captura os anos que corresponderam a um período crítico no seu percurso como cineasta, sob uma ótica de comédia burlesca. O resultado é um filme assumidamente “pop”, que visualmente traz memórias dos tempos mais festivos de Godard, mimetizando ideias estéticas de títulos como “O Maoísta” (uma referência fundamental, não começasse o filme com a sua rodagem), que procura capturar o seu protagonista quase como um comediante involuntário. Teoricamente, podia não funcionar, mas, nas mãos seguras de Hazanavicius, a empreitada acaba por resultar num olhar meio melancólico, meio cómico, sobre um génio que alterou o mundo e se deixou alterar por ele, tudo isto, ancorado nos estupendos Louis Garrel e Stacy Martin.


Realização: Michel Hazanavicius
Género: Drama, Comédia
Duração: 107 minutos

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