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Crítica: "Nunca Estiveste Aqui"


Há realizadores que se limitam a contar histórias. Outros fabricam experiências imersivas, ancoradas em universos de tal modo concretos, que quase parecem conseguir “engolir” o próprio espetador. Ora, é nessa mesmíssima categoria, que encontramos a escocesa Lynne Ramsay, aqui a encenar um inquietante mergulho profundo na mente solitária de um assassino existencialista e suicida. Chama-se Joe (Joaquin Phoenix), é um ex-militar, e durante uns económicos e canónicos 90 minutos, vamos lentamente percorrendo os mais obscuros recantos da sua alma atormentada. Sob o manto de um sanguinolento neo-noir, a cineasta concebe uma fascinante releitura do thriller, algures entre o onirismo de um “Debaixo da Pele” e o contundente realismo de “The Florida Project”, capaz de nos submergir num inferno terreno inescapável, perfeitamente personificado pela impressionante tour de force de um Phoenix animalesco, a transmitir o infindável tormento da sua personagem, quase sem necessitar de palavras.





Realização: Lynne Ramsay

Argumento: Lynne Ramsay


Género: Thriller, Drama

Duração: 89 minutos

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